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quarta-feira, 12 de dezembro de 2007
12 de dezembro de 2007
N° 15446 - martha medeiros
Já não vale tudo
Estava passando por uma rua, de carro, quando vi um cartaz anunciando o show do cantor Belo. Um pensamento me veio à cabeça: "Pô, o cara foi preso por tráfico de drogas, é um marginalzinho, e agora está aí fazendo show?
Eu jamais iria!". Durou 10 segundos esse meu pensamento totalitário. Logo reavaliei. Ora, seria o mesmo que eu achar que um ex-presidiário não tem direito de trabalhar depois de cumprir sua pena. O cara não é obrigado a se retirar de cena para sempre.
Então retifico: eu jamais iria ao show do Belo porque não gosto do repertório dele, não faz meu gênero, nunca fez. Quem gosta, tem mais é que curtir o retorno do moço aos palcos.
O mais curioso dessa minha esnobação instantânea é que eu estou lendo Vale Tudo, a biografia do Tim Maia, um cantor que também já viu o sol nascer quadrado por causa de envolvimento com roubos e drogas, e eu nunca assisti a um show dele por pura falta de oportunidade, pois iria numa boa.
Assim como também já assisti Rita Lee várias vezes, Gilberto Gil, Cazuza, Elis, e iria faceira a um show do James Brown, se vivo ainda fosse. Sempre me lixei para o que essa turma fumou ou deixou de fumar, nunca me ocorreu boicotar o show de ninguém, então o que mudou?
O mundo mudou.
Antes, a visibilidade da droga estava nas areias, nos palcos, nas festas - não se olhava pro morro. Consumo e tráfico pareciam duas coisas muito distintas. Um artista fumar unzinho era totalmente aceitável, fazia parte do folclore do showbiz.
Os Beatles eram uns frangotes quando foram apresentados à rainha da Inglaterra totalmente chapados, e o que isso rendeu? Um nota de rodapé na biografia deles. Janis Joplin, Jimi Hendrix, Mick Jagger, Eric Clapton, Robert Plant: existe algum anjo no rocknroll?
Sempre se soube que as drogas tinham passe livre nos camarins, era uma espécie de rebeldia "paz e amor" que infelizmente resultou em algumas baixas, mas nada que exigisse crucificação pública do usuário.
Hoje, Tim Maia seria considerado uma criança inocente se comparado ao Belo. Não há mais espaço para a malandragem poética, o baseadinho redentor. Droga virou assunto de segurança pública. O tráfico produz violência urbana e, com tantos assaltos e assassinatos diários, a tolerância se foi.
Abriu-se um canyon entre aqueles tempos em que a maconha era festiva e não comprometia o talento de ninguém, e os tempos de agora, em que drogar-se deixou de ser uma atitude de relaxamento e de inspiração para se tornar, no mínimo, uma babaquice.
O Brasil virou um lugar tão perigoso que está exterminando a condescendência e nos tornando desgraçadamente mais duros.
Ótima quarta-feira, namore, aproveite o Dia Internacional do sofá.
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