quarta-feira, 23 de fevereiro de 2022


23 DE FEVEREIRO DE 2022
OPINIÃO DA RBS

ARMADILHA DO ENDIVIDAMENTO

Uma série de indicadores divulgados nos últimos dias demonstra um quadro alarmante de aumento do endividamento das famílias gaúchas e, como reflexo direto, uma elevação da inadimplência. Em muitos lares, especialmente os mais carentes, famílias são forçadas a optar por quais faturas vão pagar, enquanto têm de deixar outras pendentes em nome das necessidades mais urgentes de sobrevivência.

Pesquisa apresentada pelo Fecomércio-RS na semana passada apontou que 92% das pessoas ouvidas em Porto Alegre tinham em janeiro alguma conta em aberto, um aumento de 20 pontos percentuais em um ano. A porcentagem de cidadãos que não pagaram os compromissos em dia era de 20,1% em maio do ano passado e, desde então, sobe mês a mês. Em janeiro, chegou 29%. Em outro levantamento, a Serasa/Experian chegou a números não muito diferentes. De acordo com a empresa, 35% dos gaúchos adultos encerraram 2021 com dívidas atrasadas. São mais de 3,1 milhões de pessoas, 200 mil a mais em relação ao final do ano anterior. Levantamento de GZH sobre o pagamento do IPTU em municípios da Região Metropolitana mostra outra sequela do mesmo sufoco. Devido ao aperto financeiro, há uma significativa dificuldade dos contribuintes em quitar o tributo referente a 2021. Em Sapucaia do Sul, a inadimplência chega a 67%. Em Guaíba, 60%.

Os dados apresentados referem-se ao Rio Grande do Sul, mas por certo o drama é parecido em todo o Brasil. É uma consequência de reação letárgica da economia após a fase mais restritiva de atividades nos primeiros meses da pandemia, do desemprego ainda alto, da queda da renda, da escalada da inflação e do juro ascendente.

Não é surpresa que parte da população, aturdida com a impossibilidade de honrar compromissos, fique propensa a esperar soluções fáceis e mágicas de governantes e acredite em promessas populistas. Especialmente em um ano em que os brasileiros vão às urnas, saídas meramente eleitoreiras apresentadas por candidatos, mas com capacidade de seduzir, tornam-se ainda mais perigosas. Irresponsabilidade fiscal e tentativas de baixar preços na marra, mostra a história, costumam ao longo do tempo acentuar os problemas que ilusoriamente resolveriam. São fadadas ao fracasso.

Uma enxurrada de balões de ensaio e propostas esdrúxulas surgiu nas últimas semanas em Brasília. Versam sobre reajustes a categorias já privilegiadas, desonerações tentadas em oportunidades anteriores, mas que pouco efeito tiveram na economia, e cortes radicais de impostos sobre combustíveis e energia que abririam rombo de dezenas de bilhões de reais nas contas públicas. Felizmente, um raio de bom senso parece ter atingido o presidente da Câmara, Arthur Lira, que ontem garantiu que as PECs que acenavam com um corte drástico da carga tributária sobre os combustíveis não prosperarão.

A solução responsável passa por atacar a raiz da conjuntura que leva à atividade econômica débil e à inflação alta. Começa por austeridade fiscal, que se reflete de maneira benigna no câmbio, na inflação e no juro. Segue com reformas como a administrativa e a tributária, para racionalizar gastos com pessoal e dar mais competitividade às empresas. E não prescinde de estabilidade política e institucional. Uma reação mais robusta da economia, com efeitos benéficos no mercado de trabalho e na renda, será possível apenas com a pacificação do país. A turbulência internacional em torno da crise da Ucrânia obriga a uma maior responsabilidade interna.

Ao lado dessas grandes linhas, é indispensável levar mais educação financeira para os cidadãos, para que evitem entrar em apuros ou consigam escapar da bola de neve do endividamento. É preciso ampliar especialmente a consciência sobre a armadilha das modalidades que cobram os juros mais escorchantes, como o rotativo do cartão de crédito. Ao fim, famílias não são muito diferentes de governos. O descontrole financeiro, nos dois casos, acaba na imposição de ter de pagar juro mais alto. Quem tem mais despesas do que receitas e deve muito, da mesma forma, deixa de ser um agente que contribui para o fortalecimento da economia.

OPINIÃO DA RBS

Nenhum comentário: