07 DE FEVEREIRO DE 2022
+ ECONOMIA
PEC Kamikaze pode ser só desperdício
A combinação da disparada nos preços dos combustíveis com o início da campanha eleitoral provocou um congestionamento de iniciativas no Congresso. São duas propostas de emenda constitucional (PECs) e ao menos dois projetos de lei propondo freios à alta. Enquanto isso, o preço do barril de petróleo brent, usado pela Petrobras para definir sua política de preços, orbita na faixa de US$ 93.
Existe até uma PEC apelidada de Kamikaze. O apelido surgiu porque as primeiras projeções são de custo de R$ 100 bilhões, valor maior do que o do Auxílio Brasil em 2022, estimado em R$ 89,9 bilhões no orçamento.
A Kamikaze ressuscita o vale-caminhoneiro, agora de R$ 1,2 mil, favorecendo uma categoria considerada aliada ao presidente Jair Bolsonaro. Encosta no valor do salário mínimo para este ano, enquanto os "mais necessitados" recebem benefício máximo de R$ 400. É quase uma fidelização da base.
Todas propõem redução ou isenção de tributos sobre gasolina, diesel, etanol e gás de cozinha. As perdas vão de R$ 18 bilhões, caso se restrinja à isenção no diesel, e chegam aos "kamikazes" R$ 100 bilhões.
Mas as contas mais otimistas sobre a redução possível nos preços de combustíveis nas bombas chegam a 9%, no caso da gasolina, e a 5% no diesel. Analistas projetam que a alta do petróleo já embute necessidade de reajustes na refinaria, ambos superiores a esses percentuais. Então, sem mudança na política de preços da Petrobras e com petróleo no patamar de US$ 93, até a PEC mais radical nos benefícios, a Kamikaze, vai apenas queimar arrecadação tentando produzir algum efeito nos preços.
Pior, como alertou na semana passada o economista Alexandre Chaia, professor do Insper, reduzir tributos sem compensar a perda de arrecadação vai gerar um buraco fiscal maior do que já existe, o que pode fazer com que o dólar suba. E aí, como se sabe, o preço nas refinarias tende a subir mais. Mas um certo candidato poderá dizer que "fez sua parte" para frear a disparada.
ROBERTO PADOVANI Economista
Em janeiro, a bolsa brasileira empinou enquanto o mundo discute alta de juro nos Estados Unidos, e o real se valorizou ante o dólar. A coluna ouviu Roberto Padovani, economista-chefe do Banco Votorantim (BV), que definiu essa fase como "otimismo estranho" em artigo, para explicar o que ocorre com dólar e bolsa neste início de 2022. Uma síntese possível seria "é o Fed, estúpido", parafraseando o assessor de campanha de Bill Clinton, James Carville, que cunhou a expressão "é a economia, estúpido", para justificar o bom desempenho do então candidato à reeleição cercado de escândalos nos EUA.
O que ocorre no mercado?
O Federal Reserve (Fed, banco central dos Estados Unidos) passou a retirar estímulos com mais rapidez. Na pandemia, colocou o juro em zero e, repetindo 2008, passou a comprar títulos públicos e privados. Isso aumenta a liquidez, quer dizer, coloca dinheiro para circular. Todo mundo sabia que, em algum momento, seria interrompido. As previsões eram de alta do juro em 2023. Em dezembro, diretores do Fed passaram a dizer que o estímulo acabaria em março, em seguida, o juro subiria.
Qual foi a reação dos investidores?
Com o juro tão baixo, estavam todos em bolsa, ou comprando ativos reais, como empresas. Quando entenderam que o juro subiria, viram que a bolsa de Nova York já se valorizou demais e começaram a pensar onde iriam. Como ainda há incerteza, querem esperar até que fique mais claro quanto o juro vai subir nos EUA para voltar à renda fixa. Aí começaram buscar barganhas no mundo, ou seja, bolsas "baratas".
É "otimismo estranho"?
Quando muda a estratégia do investimento estrangeiro, há tendência natural de atribuir a fatores econômicos ou políticos locais. A versão dominante, em 90% dos casos, é atribuir à percepção de que o Brasil ficou mais atrativo por redução do risco político: a eleição, que seria polarizada, será tranquila porque estaria definida.
Como assim?
O mercado tem duas leituras. Uma é de que provavelmente Lula ganhe e, como em 2003, adote gestão responsável. Outra, de que qualquer que seja o próximo presidente, não seria Bolsonaro e adotaria políticas de melhor qualidade. Mas o que está havendo, na bolsa e na moeda no Brasil, é por decisão do Fed. O cenário local é secundário.
É movimento que não dura?
A tese dominante tem problemas. Primeiro, a eleição não está definida. Analistas veem chance de o atual presidente recuperar terreno. Segundo, há suposição equivocada de que o debate eleitoral será pró-mercado. Não será. No mercado de votos, é preciso diferenciar candidatos. Terceiro, existe incentivo para que o debate seja tenso. A sociedade "compra" o discurso, por mais que saiba que o tom populista seja acentuado na campanha. Relativizar não é padrão no Brasil nem no mundo. Pode gerar instabilidade, com dólar para cima e bolsa para baixo, o oposto que temos visto nos últimos dias. Quarto, com juro em alta nos EUA, haverá menos liquidez para emergentes, em um ano com crescimento econômico baixo e dificuldade de arrecadar, com pressões por aumento do gasto público e com dívida pública subindo no Brasil.
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