14 DE FEVEREIRO DE 2022
DAVID COIMBRA
Talvez você não seja especial
Todas as pessoas se acham especiais. O que é natural: elas são, suportamente, as protagonistas da sua própria história. Naquele filme, elas são "o mocinho". Então, se algo acontece de errado ou se elas são superadas por outras pessoas durante algum tempo, certamente ocorreu uma injustiça. Quase todas as pessoas que conheço se sentem injustiçadas. Quase todas as pessoas que conheço acham que merecem aumento.
O problema é que, no último dia de 2021, o mundo alcançou o número amazônico de 7,8 bilhões de seres humanos respirando debaixo do sol. Ou seja: até o fim de 2024 nós seremos 8 bilhões.
Você entende o que isso significa?
Significa que é impossível haver 8 bilhões de protagonistas. Há 8 bilhões de histórias, certo. Mas nem todas as histórias são interessantes. Nem todas essas histórias são clássicos. Algumas são apenas subalternas, são histórias laterais, e seus personagens não são protagonistas. Em geral, são coadjuvantes da grande trama que se desenvolve enquanto eles estão vivos. E outros nem coadjuvantes são; não passam de meros figurantes.
Você já pensou que pode ser um figurante? Toda aquela ação acontecendo e você é apenas o transeunte que gruda as costas na parede quando o herói corre atrás do bandido.
O que faz de alguém protagonista?
Nem sempre é o mérito. A história do mundo está repleta de protagonistas infames. Putin é um protagonista, decerto que é, e é possível que sua crença de que ele e os russos são injustiçados arraste quase 8 bilhões de seres humanos à III Guerra Mundial.
Isso pode acontecer tão-somente porque ele tem certeza de que está com a razão. Milhões podem morrer só porque alguém se acha especial.
O que me leva a outro ponto: a injustiça do mundo. Há uma frase tola que as pessoas vivem repetindo: "Tudo vai dar certo no final; se ainda não deu certo é porque ainda não chegou ao final". É como se dissessem: "Você é o protagonista da história, você é o mocinho e os mocinhos sempre se dão bem". Não acredite nessa balela. A maioria das pessoas se dá mal.
Não bastassem todas as intempéries e doenças estranhas que ameaçam o homem, muitas das outras pessoas que estão partilhando o planeta com você se empenham em lhe fazer mal, de modo direto ou indireto. Então, às vezes é injusto, é errado, é até inexplicável, mas você se dá mal, sem perspectiva de que vá vencer no fim, como sempre acontece com o Jason Bourne.
Essa é a ideia do Paraíso, a de que você terá uma recompensa algum dia por todas as injustiças que se lhe acometem aqui. O problema é que esse dia é depois da sua morte.
A essa altura você está reclamando do meu amargor, está rosnando que sou pessimista. Nada disso. Estou fazendo apenas um alerta A VOCÊ, que se acha tão especial. Eu não entro nessa. Afinal, nessa história eu sou o protagonista.
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