quarta-feira, 16 de fevereiro de 2022


15 DE FEVEREIRO DE 2022
DAVID COIMBRA

Gargantas cortadas como ato de piedade

Há uma história sobre Júlio César que me fascina. É uma passagem razoavelmente conhecida de sua bem documentada vida. Aconteceu quando ele ainda era apenas um jovem nobre romano de 25 anos de idade. César havia percebido que era um bom orador e decidiu se aprimorar nessa arte. Partiu em viagem pelo Mediterrâneo para encontrar um famoso professor da época, mas, no caminho, seu navio foi atacado por piratas, que o sequestraram a fim de exigir resgate.

César foi com eles, mas com eles não se intimidou. Tratava os piratas de forma jocosa, fazia brincadeiras, contava piadas e até os ensinava um pouco de poesia e oratória. Os piratas gostaram dele e estavam sempre à sua volta. Quando César descobriu que eles pediram 20 talentos por sua vida, foi reclamar. Disse que estavam pedindo um preço muito baixo, o que era ofensivo, e exigiu que elevassem o resgate para 50 talentos. Os piratas assim o fizeram, e Júlio César acabou sendo libertado. Antes de ir embora, porém, prometeu:

-Vou crucificar todos vocês. Eles riram: - Esse Júlio...

Só que ele falava sério. Ao se ver livre, reuniu uma frota, foi atrás dos piratas, bateu-os em combate e os crucificou. No entanto, como havia se afeiçoado a eles, num ato de bondade mandou que lhes cortassem as gargantas, para que não sofressem na cruz.

É uma história que mostra o senso de humor, a autoconfiança, o carisma e a lealdade de César. Mas mostra, também, sua implacabilidade. Ele disse que ia crucificar os piratas, e cumpriu sua promessa, embora tentasse atenuar suas dores.

Essas características de César estão presentes em todos os que têm grandes ambições políticas. Ou, pelo menos, em todos os que conseguem realizar grandes ambições políticas. Olhe para os atuais pré-candidatos à presidência da República. Eles cultivam uma assombrosa fé em si próprios. Eles têm certeza de que vão salvar o Brasil.

Essa certeza faz com que as pessoas acreditem neles. É o princípio da propaganda, que, muitas vezes, se baseia apenas na repetição para convencer o consumidor. Eles repetem sem parar: "Eu sou bom, eu conheço, eu sei, eu vou consertar o que está errado". Dizem tanto isso que as pessoas pensam: se é tanta insistência, deve ser verdade.

Eu, não. Eu não acredito neles. Não creio que um único homem, um grupo ou um partido possam "salvar" uma nação. O que salva é o sistema, é a forma que o povo escolhe para viver.

Prova?

O próprio Júlio César. Ele fez muito, mas implodiu a república romana. Toda a decadência, a degeneração e a corrupção romanas que nós conhecemos de filmes e livros só tiveram terreno fértil por causa do advento de Júlio César. Os tempos austeros da Roma republicana haviam passado. Júlio César foi grande, definitivamente, mas sua grandeza apequenou Roma. Assim fazem os populistas. Há mais de 2 mil anos.

DAVID COIMBRA

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