08 DE FEVEREIRO DE 2022
NÍLSON SOUZA
A biblioteca cenográfica
Sou um sujeito tão anacrônico para estes tempos digitais que ainda conservo duas bibliotecas de verdade em casa. Uma, no sótão, com todos os livros que fui juntando ao longo da vida, do primeiro romance lido na infância (Coração, de Edmondo De Amicis) às coleções de meus escritores preferidos, Hermann Hesse, García Márquez, Isabel Allende, Mário Vargas Llosa, José Saramago, Mia Couto e alguns outros mais, além dos nossos Verissimos e Quintana.
- Nunca escrevi uma vírgula que não fosse uma confissão - sentenciou o poeta alegretense.
É o que faço agora ao revelar meus gostos literários para justificar o tema desta crônica. A outra biblioteca, bem mais reduzida, está no meu gabinete de trabalho. Uma de suas estantes costuma aparecer como pano de fundo em minhas participações nas lives e reuniões virtuais que agora fazem parte da nossa rotina.
Nela estão dicionários, livros de consulta rápida (entre os quais os guias de Porto Alegre do querido amigo Sérgio da Costa Franco), uma Bíblia de Jerusalém, várias obras de jornalismo e um cantinho para a vaidade, com um ou dois volumes de minha autoria ou participações em orelhas e coletâneas.
Meu acervo é modesto, reconheço, mas são livros de verdade, com capa, lombada, cheiro, folhas sensíveis ao toque do polegar e - o mais importante - um pouco de mim em cada um deles. Se os guardei e os tenho à mão é porque algo me dizem, mesmo aqueles que ainda não li. Não me envergonho de que apareçam na minha companhia.
O desembargador do Amazonas que derrubou uma biblioteca cenográfica durante a sessão virtual do Tribunal de Justiça daquele Estado virou meme na internet. Depois, mostrou que tinha livros verdadeiros atrás do painel. Disse que preferiu encobri-los com a simulação para não mostrar objetos pessoais nas estantes.
Explicação plausível, excelência, mas me deixa ainda mais intrigado: o que será que ele esconde entre os livros? Por descargo de consciência, volto-me para meu próprio cenário: lá estão um pequeno globo terrestre, uma miniatura de Rural Willys (meu primeiro carro), uma lâmpada de Aladim e o totem dos três sábios (não ouça o mal, não fale o mal, não veja o mal) em forma de caveiras, presente de minha amiga Denise Filippini, que trabalha com livros de verdade e tem contribuído para encher as minhas estantes.
Livros existem para serem vistos. E lidos.
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