28 DE FEVEREIRO DE 2022
PODER JUDICIÁRIO
Escassez de juízes desafia Justiça
Faltam 235 magistrados no RS, afetando quase metade das comarcas. Déficit gera morosidade no andamento de processos ENTREVISTA GENECI RIBEIRO DE CAMPOS Juíza-corregedora e vice-coordenadora da Corregedoria-Geral de Justiça
Faltam juízes em quase metade das comarcas do RS. Das 165 unidades (localizadas em municípios dotados de foro para receber as demandas judiciais da sua região), há vagas para magistrados em 79 (47,8%). No total, são 235 cargos de juiz de primeiro grau desprovidos em todo o Estado - uma carência de 27% na força de trabalho da categoria.
O Tribunal de Justiça (TJ-RS) assegura que nenhum cidadão fica sem atendimento, mas reconhece que o déficit de pessoal acaba gerando morosidade no andamento dos processos. Em geral, os postos vagos acabam cobertos por outros juízes da mesma comarca.
Todavia, em 32 fóruns de Justiça espalhados pelo Estado não há nenhum juiz titular. Em oito deles, há duas vagas, desocupadas. Na maioria dos casos, o substituto atua numa cidade próxima e uma vez por semana viaja para atender a comarca vizinha. Ao todo, atualmente, no RS, um contingente populacional de 850 mil pessoas, distribuídas em 74 municípios (cobertos pelas 32 comarcas sem nenhum magistrado), depende da visita semanal de uma autoridade judicial.
Em 19 de janeiro, as principais lideranças da sociedade de Caçapava do Sul se reuniram num evento para inaugurar o novo fórum local. Houve discurso do então presidente do TJ, Voltaire de Lima Moraes, do prefeito Giovani Amestoy e de outras autoridades.
Limitação
Ao final da solenidade, restou um prédio moderno, sede de duas varas, mas sem um único juiz titular para despachar nos mais de 15 mil processos em tramitação. O diretor do foro, Diego Carvalho Locatelli, é titular da comarca de Dom Pedrito, a 208 quilômetros de distância, e só atende em Caçapava às quintas-feiras.
- A gente lutou tanto para conseguirmos a segunda vara e agora não tem juiz em nenhuma das duas. O doutor Diego é incrível, atende sempre que pode, mas as urgências acabam tomando a frente, principalmente dos processos cíveis. É complicado, porque em cada ação está guardada a vida das pessoas - desabafa a advogada Cristiane Lorenzen.
A situação é semelhante em Herval, no sul do Estado. Sem juiz titular há seis anos, a comarca ainda enfrenta escassez de pessoal. Atualmente, há apenas quatro servidores, dois deles estagiários.
- Os advogados fazem até procedimentos cartoriais, como furar as páginas dos processos. A gente entende a dificuldade, mas o sentimento é de que tudo poderia funcionar melhor - afirma o advogado Jaisel Rodrigues de Freitas.
Acúmulo
Para a juíza Vanessa Antunes Ferreira, titular em Arroio Grande e substituta em Herval, o acúmulo de funções acaba tomando tempo que poderia ser direcionado aos processos. Toda semana, ela dedica dois dias à comarca vizinha, um para sanar questões administrativas e outro para as audiências. Por vezes, em razão das férias de colegas, chega a responder também pela comarca de Jaguarão.
- Aqui na fronteira tem muita transferência, então chego a acumular as três comarcas. Mas me orgulho de dizer que estou totalmente em dia com meus processos. O complicador maior é a falta de servidores, pois junta muita coisa a ser feita e acaba sobrecarregando todo mundo - conta Vanessa.
A maior comarca do Estado a funcionar desprovida de juízes titulares é Parobé, município de 58 mil habitantes situado no Vale do Paranhana. Segundo o presidente da subseção da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Gustavo Amoretti, um processo de usucapião em que atua tramita há 20 anos, sem conclusão.
- Já sou o segundo advogado da causa e não anda. Meu cliente tem 70 anos. Tenho medo que aconteça alguma coisa com ele e o processo siga sem fim. Aqui do lado, em São Francisco de Paula, por exemplo, tem um juiz só, titular, e ele chega a dar duas decisões no mês no mesmo processo. Eu tenho ações aqui em Parobé que ficam um ano sem decisão nenhuma - afirma Amoretti.
Das 235 vagas desprovidas no Estado, 110 são de juiz substituto, cujo trabalho é justamente assumir lacunas da magistratura. Outras 123 ficam em unidades jurisdicionais específicas e os dois postos restantes são de juiz-corregedor, cujo provimento depende de decisão do corregedor-geral da Justiça.
FÁBIO SCHAFFNER
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