09 DE FEVEREIRO DE 2022
MÁRIO CORSO
Comilões
Tenho uma tia que é cozinheira. Na adolescência deu-se conta que como profissão não teria futuro. Na época não havia chefs prestigiadas, ou programas de culinária populares. Então Maria da Graça pensou em um plano B. Decidiu estudar medicina.
Foi feliz e realizada na sua profissão alternativa. Mais do que isso, aconteceu tal abdução profissional, por ser competente e solicitada, que a família temeu pela sua verdadeira vocação. De qualquer forma, nos fins de semana ela troca de avental, volta para nós e faz os domingos serem mais domingos.
Em um dos meus aniversários ela chegou faceira para assumir a cozinha. Olhou para as compras que encomendara, o dobro do solicitado, e me chamou de exagerado. Fomos para a lida. Eu como auxiliar de fogão e pia me viro bem, apenas no momento a psicanálise ocupa todo meu tempo.
Chegaram os convidados. Um que outro gajo a mais, mas estava na conta, sempre temos avulsos de ocasião. O clima estava ótimo, a comida ficou dos deuses e acabou. Mesmo com o descomedimento, acabou tudo de tudo.
Minha tia, acostumada a cozinhar para nós e também para gente normal, me disse: "temos uma família de ogros, erro porque resisto a admitir isso". Não que o pessoal se atire na comida ou depois orquestrem arrotos. Nada disso, somos bem comportados, apenas comemos como dois ou três. Não temos obesos, não sei para onde vai. Talvez seja só isso, tem gente que é ogro para comer.
Desconfiava, naquele dia recebi o diagnóstico. Quando começou a febre das hamburguerias em Porto Alegre fui a várias. Em todas a mesma sensação ao chegar o hambúrguer mirrado. Sabe quando pensa receber um ovo frito e vem um ovo frito de codorna? Assim me sinto frente a esses alienígenas arremedos de Xis. Grande negócio, vem a metade e te cobram o dobro.
Nos restaurantes é a mesma música. Chega o prato, como, e poderia pedir mais um. Não faço por constrangimento. Mas fica o conflito, minha mãe dizia para repetir, minhas avós insistiam para repetir. Por que não faria agora? Observe, quanto mais estrangeiro e impronunciável, menor a quantidade. Peço a sobremesa. A porção que vem, ao meu critério, mal serviria um filhote de gnomo.
O problema não é dos restaurantes, é nosso. Há pessoas que comem a porção e ficam satisfeitas. Nós ogros sofremos a ditadura da maioria. Poderia haver nos cardápios: porção infantil, porção normal, porção ogro. Com preços diferenciados, não exigimos regalias. Apenas evitaria passarmos fome.
Não me orgulho da minha condição, olho para minhas amigas light que comem brigadeiro de colherinha com uma ponta de inveja. Um docinho para elas é uma travessa de pudim para mim. Tudo é fartura para almas élficas refinadas. Sem mimimi, fundemos o sindiogro e vamos à luta por uma porção adequada para nós companheiros!
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