19 DE FEVEREIRO DE 2022
J.J. CAMARGO
SOLIDÃO, UMA BIZARRA CAUSA DE MORTE
"A morte deveria ser assim: um céu que pouco a pouco escurecesse e a gente nem soubesse que era o fim" (Mario Quintana)
A expectativa de que a superpopulação e a instantaneidade dos meios de comunicação favorecessem a aproximação dos inquilinos do planeta não se confirmou.
E ninguém foi capaz de prever esta forma invulgar de solidão produzida pelo individualismo, que ergue muros altos para dizer aos vizinhos de porta que não têm nenhum interesse neles.
A intimidade beneficiada pela vizinhança na pequena comunidade, onde todos se conhecem, se perdeu a caminho da cidade grande, onde a insegurança pelo medo do desconhecido eliminou o estímulo à conquista de novos amigos.
E antecipou o isolacionismo que Drummond, genial como só, usou para definir velhice "como aquela fase da vida em que você admite que já tem todos os amigos que precisa".
Mas nada disso passa perto de explicar o ocorrido com Marinella Beretta, moradora de Prestino, na Lombardia, encontrada sentada em sua cadeira, dois anos depois da sua morte, aos 70. O que naturalmente reacendeu o debate sobre a dramática solidão dos idosos.
E o encontro do seu corpo mumificado não foi resultado da busca de um ente querido por algum familiar saudoso e carente de notícias. Nada disso: os bombeiros que a encontraram estavam apenas atendendo um chamado dos vizinhos que alertaram para o risco de queda de árvores no seu pátio negligenciado.
O que quer dizer que, passado esse tempo, a pobre Marinella continuava não fazendo falta a ninguém. Talvez ela estivesse pensando nisso quando a morte interrompeu o simulacro de vida que deixaria como único fato marcante esta história, relatada pela imprensa italiana com dois anos de atraso, e que se não fosse tão bizarra nem isso teria merecido.
"Esta morte solitária de Marinella fere as nossas consciências", admitiu a ministra da Família, Elena Bonetti.
Infelizmente, o ocorrido na Itália, um país onde 40% das pessoas acima de 75 anos de idade vivem sozinhas e, em igual porcentagem, não têm a quem recorrer em uma emergência, tende a se repetir à medida que prospere a longevidade sem utilidade, a maior usina geradora de solidão, já reconhecida como doença, com Código Internacional de Doenças (CID Z60.2) e tudo.
Fernando Pessoa definiu a morte como "a curva da estrada. É não ser mais visto". Mas a misteriosa vida invisível de Marinella por trás da sua porta fechada não cabe em nenhum modelo imaginável de abandono. E nos deixa uma terrível lição, porque, como advertiu Il Mensaggero, "a grande tristeza não é que não tenham percebido a sua morte, mas não a terem notado enquanto ainda estava viva".
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