12 DE FEVEREIRO DE 2022
FRANCISCO MARSHALL
QUEM MATOU JC?
Não falamos de um crime real, fato ocorrido em uma província romana, mas de narrativas criadas para propagar uma nova seita. Não há pistas na história ou na arqueologia, pois trata-se de um tipo de ficção literária, com argumento religioso repleto de folclore, fantasia e estratégias sociais. Há, todavia, elementos para se abrir a investigação do mais célebre deicídio da história: quem matou JC?
Os suspeitos são três. Primeiramente, os de sempre - judeus acusados por evangelistas. A condenação formal e execução, entretanto, é atribuída a um oficial romano, o segundo suspeito, Pôncio Pilatos. Por fim, a questão crucial: por qual razão foi executado quem se dizia filho de deus? Seria, como diz a fé cristã, um sacrifício - morreu por nós? Vejamos, sempre cientes de que não estamos tratando de história - de algo que teria acontecido, mas de literatura - algo narrado em textos ficcionais religiosos.
Estão em Mateus 27: 24-5 as palavras que se tornaram sentença de morte - não contra o personagem literário JC, imortal, mas contra judeus de verdade; Pilatos lava as mãos e declara-se inocente, diante do povo agitado (judeus? Há controvérsia), em cuja boca o narrador põe a frase: "O sangue dele sobre nós e sobre nossas crianças". O autor faz uma multidão clamar a culpa para si e para seus descendentes, algo insólito, mas que levou à maldição de sangue que cristãos cobraram e cobram de judeus ainda hoje. O mais antissemita dos evangelistas, João, complementou Mateus, esclarecendo a causa do ódio atribuído aos líderes judeus (5: 16-18): perseguiram Cristo porque este realizou atos durante o shabbath (cura milagrosa em Jerusalem) e porque vinculava-se ao Pai (Patér), equiparando-se à divindade.
Nos Atos dos Apóstolos, ampliam-se essas acusações, que não têm provas, apenas convicção; os relatos são algo contraditórios e ao final deixam claro apenas um fato: os evangelistas queriam acusar os judeus. Provavelmente como estratégia para se posicionar diante do Império Romano, valendo-se de um antissemitismo que já vicejava em Roma. Isso explica por que Mateus limpou a barra para Pilatos, salvando o Império de uma culpa inata, pois a sentença foi proferida pelo oficial romano. Isso poupou cristãos de enfrentar o poder secular do Estado, formalmente relacionado à sentença, que poderia ser facilmente evitada, se assim quisesse um eventual oficial romano; do ponto de vista jurídico, Pilatos é o responsável pela morte de JC.
Lembremos, porém, que são escritos religiosos e que em tudo se trata da força e da autoria do que chamam Deus, e Cristo chama Pai. Em Mateus 26: 39, lê-se a célebre passagem que gerou a linda música de Chico e Gil: "Paizinho, se for possível, afasta de mim esse cálice. Todavia, seja não como eu quero, mas tu". E por assim querer, Jeová consumou para si o sacrifício do próprio filho, fazendo do deicídio também um filhicídio e esclarecendo que os judeus não podem portar a culpa da autoria maior, o Pai (Deus), sobre o destino de seu filho.
E nós renasceremos, sobre as cinzas dos antissemitas, erguendo um cálice com o sumo de Baco.
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