quarta-feira, 16 de fevereiro de 2022


16 DE FEVEREIRO DE 2022
MÁRIO CORSO

Vida de Adotivo

Final da década de 80, uma mãe angustiada pede auxílio para a Clínica de Psicologia da UFRGS. Seu filho iria fazer 10 anos. Ela disse a ele para escolher o presente de aniversário que quisesse. Ele pediu algo inusual: queria conhecer seu pai. A jovem mãe ficou desconcertada e buscou ajuda. Queria uma saída que evitasse o pedido. Não sei qual o desfecho, estava encarregado apenas das entrevistas de admissão ao serviço. Porém adiantei que seria incontornável, seu filho tinha direito de conhecer sua história, e ela iria ter que aprender a lidar com o ressentimento que tinha com o pai biológico dele.

Lembrei do fato lendo A Vida de Adotivo do Alexandre Lucchese (Physalis Editora). Na verdade, trata-se menos do direito do que da necessidade de saber. Não conseguimos levar a vida sem a nossa história. Se pudesse resumir o livro seria isso, a busca dos adotivos em resgatar de onde vieram, em que condições e porque foram adotados. Anos de clínica me deram uma certeza: é desumano privar alguém de informações sobre sua origem.

O livro do Lucchese é precioso para adotivos e para quem adotou ou pensa em adotar. O livro é útil e completo porque junta os melhores conselhos sobre o tema, conta as armadilhas emocionais dessa operação, a arquitetura das crises dos adotivos, os titubeios dos adotantes, os malefícios do segredo sobre a adoção, a necessidade de sempre pedir ajuda profissional. A força reside na perspectiva do autor, ele desnuda a sua condição de adotado de uma forma clara e corajosa.

Lucchese passou por uma adoção bem sucedida. Teve a sorte de uma família amorosa, intuitivamente sábia, que nunca fez segredo de sua condição, mesmo assim precisou buscar sua origem. A família que adota, ainda que perfeita, não apaga o passado e o trauma da troca de genitores. Embora, de certa forma, sejamos todos adotados, pois o laço biológico não garante nada, nas adoções sempre paira a dúvida sobre o porquê da rejeição original - se é que houve.

A estrutura do livro entremeia a busca do autor por sua família biológica, com relatos de outros adotivos, de como cada um lidou com o mistério de sua origem. São histórias duras, ainda existe muito preconceito quanto à adoção. Mas o conjunto fica leve pelo tom. É bem escrito, possui a leveza que o autor ganhou ao lidar de forma satisfatória com a sua procura.

A tarefa mais desafiadora da vida é criar filhos, na adoção ainda mais. Um índice apenas: as tentavas de suicídio ente os adotados são quatro vezes maiores do que os outros. Nada que a dedicação e o amor não resolvam, mas é preciso de pais muito preparados para essa missão.

O livro narra a adoção do ponto de vista de quem passou por isso. Se fosse um livro do ponto de vista dos pais, seria de como a alma deles ficou maior depois de adotar.

MÁRIO CORSO

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