11
de maio de 2013 | N° 17429
CLÁUDIA
LAITANO
Filiação
platônica
Quando
viúvos e viúvas decidem casar-se de novo, isso não quer dizer que quem morreu
foi esquecido. Pelo contrário. Pode significar apenas que foi tão bom amar da
primeira vez, que aquele que ficou teve vontade de sentir tudo aquilo de novo,
por outra pessoa.
Órfãos
adultos não costumam frequentar clubes da terceira idade em busca de parentes
adotivos, mas, em certo sentido, como viúvos e viúvas, mantemos vivo aquele
sentimento dedicado a um pai ou mãe que já se foi, independentemente da memória
que fica deles. Complicado? Explico. Uma coisa é a saudade que temos das
pessoas que perdemos, outra é a nostalgia difusa do sentimento que nos ligava a
elas.
As
pessoas são únicas e insubstituíveis. Já o sentimento, como o membro perdido de
uma salamandra, pode se regenerar. Se a fantasia do amor romântico não desaparece
junto com a pessoa amada, também os outros amores podem voltar à cena a
qualquer momento – como uma atriz que mantém intacto o talento de atuar mesmo
muito tempo depois de despedir-se dos palcos.
Por
motivos nem sempre muito claros – algum traço físico, um tom de voz, uma
natureza generosa na distribuição dos afetos –, certas pessoas despertam em
nós, os órfãos adultos, sentimentos de “filiação platônica”. Olhamos para
aquele homem ou mulher de quem poderíamos ser filhos com fantasias de almoço de
domingo, elogios desmedidos, amor e acolhimento incondicionais.
Na
palestra que fez esta semana no Fronteiras do Pensamento, a escritora britânica
Karen Armstrong falou sobre sua cruzada mundial em defesa da compaixão,
sentimento que para essa historiadora das religiões está na origem de todos os
credos – embora nem todos os praticantes lembrem disso.
Para
os muitos ateus da plateia (eu entre eles), a escritora lembrou que a compaixão
aparece também na filosofia moral e está na essência da “regra de ouro” que
todos aprendemos dentro ou fora de casa: trate a todos como gostaria de ser
tratado. E acrescentou: compaixão é cuidar e responsabilizar-se pelos outros,
como uma mãe cuida e se responsabiliza pelos filhos.
Seria
possível um mundo de bons sentimentos, solidariedade e tolerância como esse com
que Karen Armstrong sonha? Provavelmente, não. Junto à necessidade de
transcendência que dá origem às religiões, à arte e à ciência, a natureza
humana parece igualmente inclinada ao egoísmo, à destruição, ao caos. Mas ouvir
alguém falar de forma tão apaixonada sobre uma utopia tão amorosa quanto essa
de um movimento global em torno da compaixão com certeza comoveu a plateia. (E,
no meu caso, despertou até mesmo uma pontada de filiação platônica... )
Para
todas as mães que generosamente correspondem ao afeto que despertam nos filhos
alheios, desejo um domingo cheio de carinho dos filhos de verdade – e dos
emprestados também.
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