segunda-feira, 6 de maio de 2013



06 de maio de 2013 | N° 17424
ARTIGOS - Paulo Brossard*

Fazendo o diabo

Um dos fatos mais notórios e menos auspiciosos que entre nós vêm ocorrendo relaciona-se com a candidatura da senhora presidente à reeleição. A escolha foi a destempo, uma vez que muito antes do tempo legalmente fixado, nem derivou do órgão partidário incumbido de fazê-lo, pois a escolha foi monocrática, por parte do presidente passado, quando cabe ao partido. Contudo e a despeito de tudo, a senhora presidente passou a agir como candidata à reeleição e caso encerrado.

Mas não só: jogou-se na campanha eleitoral sem recato, ainda na metade de seu mandato e cada dia que passa mais candidata se mostra. Confessando explicitamente que nós podemos fazer o diabo quando é a hora da eleição, entrou a distribuir pessoalmente ônibus para transporte escolar, de modo a vincular o benefício à sua pessoa; foi assim em Minas Gerais, depois em Mato Grosso do Sul; verdade que lá foi vaiada, mas, ardorosa como é, enfrentou a vaia, talvez por conta de suas relações com Satanás.

É de notar-se que a lei proíbe que seja colocada uma tabuleta em uma obra qualquer administração Fulano de Tal e se pública, que a presença da presidente é para ligar a doação pública à pessoa do governante, como fotografia que ocupa meia página do jornal. Tudo isto em ostensiva campanha para reeleição fora do figurino legal. Não sei como a Justiça Eleitoral conduzir-se-á em face da situação vertente, de notoriedade inegável e inexcedível. Mas este é outro problema. E o registro que faço não é gratuito, pois se tudo é cor-de-rosa segundo a linguagem oficial, bem diferente é a dura linguagem dos fatos.

Já que falei em vaias recebidas em Mato Grosso do Sul, devo dizer que não me agrada esse tipo de manifestação, salvo frente a situações extremamente graves, que é fácil imaginar e difícil de enumerar, nem seria o caso de fazê-lo aqui. Mas, deixando à parte esse aspecto, a vaia pode pegar e ficar a candidata associada a esse tipo de chalaça das ruas quando o candidato não deixa de ser governador ou presidente. E note-se que não estamos na hora de eleição, “quando nós podemos fazer o diabo”.

O fato é que o caminho escolhido pela senhora presidente não combina com a situação particularmente delicada do movimento interno e externo do qual o país e o governo não podem desquitar-se.

Dou um exemplo. Não faz um ano que a senhora presidente ostensivamente determinou a redução de juros à revelia do Banco Central, que é o competente para esse mister; as autoridades deixadas à margem submeteram-se ao cabresto, diga-se de passagem, sem tocar nos casos mais brutais de juros que incidem no cheque especial e no cartão de crédito, que envolve a faixa de mais necessidade de custódia e que fica à mercê de usura mais usurária – e aqui o pleo- nasmo deixa de ser pleonasmo.

O certo é que, mal decorrido um ano, se tanto, o Banco Central aumentou os juros e se fala em novo aumento. Em outras palavras, a Sra. presidente foi leviana ou precipitada quando forçou a redução dos juros ou as autoridades monetárias se precipitaram indiferentes à exacerbada taxa de juros historicamente vigente entre nós, ou a situação do país, em um par de meses, teria se deteriorado de tal forma, que a elevação do juro ter-se-ia tornado imperiosa.

Em verdade dia a dia mais preocupante, os mais variados setores, um a um, vêm comparecendo na primeira página das folhas mais autorizadas a ostentar suas feridas. Enquanto isso, a arrecadação federal mermou. Por que será? Mas esta é outra estória.

Diante deste quadro preocupante seria prudente que a senhora presidente lembrasse o nome de Deus, mas ela preferiu falar no diabo.

*JURISTA, MINISTRO APOSENTADO DO STF

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