01
de maio de 2013 | N° 17419
MARTHA
MEDEIROS
O crime que eu
cometeria
Durante
minhas aulas particulares de inglês, a professora de vez em quando usa um
baralho especial para estimular a conversação, o Conversation Starter. Cada
carta traz uma pergunta inusitada, algo para estimular uma resposta que obrigue
o aluno a buscar um vocabulário que normalmente não usa. Na última aula, usamos
o baralho e caiu para mim o seguinte: qual o crime que você cometeria, caso
tivesse certeza absoluta que jamais seria pego?
Como
tudo não passa de uma brincadeira, minha professora disse que há quem mate a
sogra e relate o assassinato em minúcias. Esses alunos inspirados rendem aulas
mais produtivas e divertidas do que os certinhos que respondem: “None”. Pô,
crime nenhum? Como é que vai desenvolver o vocabulário com essa honestidade
toda?
Eu
não inventei um crime estapafúrdio para divertir a professora, mas tampouco fiz
o papel de lady tomada pela virtude. Pensei, pensei, e respondi que sonegaria
imposto. Não daria um tostão para o governo. Não enquanto os benefícios em
troca fossem essa vergonha nacional.
Todos
os meses, assim como você, pago uma fortuna aos cofres públicos. E pago também
previdência privada, seguro-saúde, seguro do carro, escola particular para os
filhos e um condomínio alto por mês por causa das grades, da guarita blindada,
do vigia 24 horas.
Para
onde vai o dinheiro que deveria custear nossa segurança e bem-estar? Para o
bolso de algum empreiteiro, para o bolso de algum político, para a conta
particular de alguma Rosemary. Recentemente conversei com um estrangeiro que
está no Brasil fazendo parte de uma comitiva ligada à gestão da Copa do Mundo:
confirmou que a roubalheira é a coisa mais escandalosa que já testemunhou.
Não
sou contra a Copa aqui no Brasil porque sei que esse dinheiro não está sendo
desviado da saúde e da educação. É um dinheiro que surge milagrosamente sempre
que há um megaevento de visibilidade mundial. Não houvesse Copa no Brasil (como
não houve em 2010, 2006, 2002...), o dinheiro continuaria parado no bolso de
alguns, como sempre ficou. Ao menos, com Copa, algumas obras estão sendo
feitas, menos mal.
De
qualquer forma, é um fiasco. Com a dinheirama que se arrecada cada vez que
abastecemos o carro, cada vez que compramos feijão, cada vez que ligamos o
abajur, e mais ainda com o que tiram do nosso salário, jamais deveríamos ver
doentes sendo recusados em portas de hospitais, nunca um aluno poderia estudar
sem material e merenda e era para ter um policial em cada esquina.
Sempre
me dei bem com minhas sogras, estão todas a salvo da minha sanha assassina. E
nunca soneguei imposto, pois cumpro as leis, mas está na hora de o país
retribuir à altura e parar, ele sim, de sonegar dignidade ao povo, até porque a
tal “certeza absoluta de não ser pego” começa, lentamente, a deixar de ser tão
absoluta. Ora, malha fina para eles também.
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