quinta-feira, 7 de março de 2013



07 de março de 2013 | N° 17364
LETICIA WIERZCHOWSKI

Um verão indiano

Posso dizer que passei o verão na Índia... Depois de mergulhar em Joseph Anton, biografia de Salman Rushdie publicada pela Companhia das Letras, enveredei pelos romances O Último Suspiro do Mouro e Os Filhos da Meia-Noite (aclamadíssima obra de Rushdie, eleito, em 1993, Man Booker Prize, o melhor livro destacado pelo famoso prêmio literário britânico). Foram 1.708 páginas-Rushdie e horas de leitura – Joseph Anton é um livraço, e a história da fatwa e da vida clandestina à qual Rushdie foi condenado por Khomeini dariam um filme.

Eu nunca tinha lido Rushdie, confesso. E viajar pela sua ficção sanguínea e vertiginosa lavou a minha alma. Quando terminei meu primeiro livro, ouvi uma pessoa que eu admirava dizer-me: “Um belo texto, mas sofre de um problema, o realismo mágico é coisa do passado”. Eu tinha, portanto, escrito um livro que já nascia condenado – aqui da América do Sul, vivendo à sombra de García Márquez, não podíamos deixar que “moléstias fantasiosas” acometessem nossos livros...

Pois lá vem Salman Rushdie e deixa rolar. Seus personagens deixariam o clã Buendía de queixo caído. Eles andam pelo tempo, leem “n” pensamentos, crescem no dobro da velocidade normal para um humano, são geniais, preveem tragédias, morrem de amor – em suma, eles acontecem. Os livros de Rushdie são livros dos seus personagens, e eles pairam, vivos e furiosos, deixando a “forma” a comer poeira.

Os Filhos da Meia-Noite é um belíssimo livro, uma intrincada composição de histórias que brotam de histórias – Rushdie usa a trajetória da Índia contemporânea como uma boa bordadeira usaria seus fios coloridos e traça uma fantástica viagem na qual o leitor é levado pela vida de Salim Sinai, menino que nasce num hospital de Bombaim no mesmo momento em que a Índia se torna uma nação independente.

Sobre Rushdie, não há como não se sentir seu amigo depois de ler Joseph Anton. Pelo final do livro, Rushdie conta que, depois de 13 anos de proteção policial, finalmente chega o dia em que o governo britânico passa a considerar a ameaça da fatwa muçulmana baixa o suficiente para que ele possa ter a sua vida e o seu nome de volta (durante todo esse tempo, usara o nome falso de Joseph Anton, que dá nome à biografia narrada em terceira pessoa).

Faz-se uma festa para comemorar a liberdade de Rushdie, e um dos policiais que o protegeu diz-lhe: “Pensamos que você não ia aguentar, 13 anos de isolamento, sigilo e silêncio. Poucos segurariam a pressão”. E Salman responde: “Acontece que sou um escritor”. Palmas para Rushdie.

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