08
de novembro de 2012 | N° 17247
LETICIA
WIERZCHOWSKI
Pequena história
polonesa
Acho
que nunca contei aqui, mas esta história é do folclore familiar. Meu avô
polonês, Jan Wierzchowski, embora tivesse emigrado e criado raízes no Brasil,
era um ufanista da Polônia.
Além
da capacidade do avô, a sua firma de construção civil prosperou também porque a
maioria dos funcionários eram seus patrícios – no período que se seguiu à II
Guerra, os ex-combatentes poloneses (que lutaram com os Aliados e eram
“inimigos” dos soviéticos, portanto) tinham se tornado apátridas: famosos
generais cuja coragem era lendária viviam de bicos na Europa, e oficiais
poloneses que ajudaram a libertar a França, a Bélgica e a Holanda varriam a
neve das calçadas inglesas em troca de um prato de sopa.
Após
a guerra, meu avô voltou ao Brasil e, nos anos subsequentes, trouxe para cá
alguns dos ex-colegas de Divisão, oferecendo-lhes emprego. Esses eram os seus
fiéis funcionários, seus amigos queridos, o seu pedaço da Polônia aqui em Porto
Alegre.
A
história que conto é sobre uma dessas famílias que meu avô recebeu. O avô tinha
uma pequena casa que outrora ocupara e que então usava como abrigo para seus
conterrâneos que emigravam. Essa família (vou chamá-los de Os Getka) chegou na
terceira classe de um navio, ao anoitecer, e foi recebida pelos meus avós.
Do
porto, foram levados para a casa anteriormente preparada. Lá, os avós
serviram-lhes o jantar e os acomodaram. Antes de partir, Jan prometeu voltar na
manhã seguinte com o café da manhã – os recém-chegados não falavam uma única
palavra de português, dependendo dos meus avós para tudo. Na manhã seguinte,
minha avó Anna levantou-se cedo para sovar o pão e ferver o leite para os
Getka.
Mas
qual não foi a surpresa quando, ao chegarem na casinha, Anna e Jan encontraram
os Getka já de café tomado, felizes da vida com a “hospitalidade brasileira”.
Meu avô estranhou e quis saber de onde viera o café da manhã: sobre a mesa, uma
bandeja com canjica, flores, maçãs e até cachaça, uma dessas que a gente vê nas
esquinas, ofertadas fortuitamente para os orixás, tinha sido fartamente atacada
pelo casal Getka.
Acontece
que a casa ficava numa encruzilhada e, ao amanhecer, ali estava a bandeja. Os
Getka comeram tudinho, e meu avô demorou a fazê-los entender que aquilo se
tratava de um dos famosos “despachos”. Seja como for, os orixás não se
revoltaram: os Getka viveram felizes por muitos anos, tiveram filhos e
prosperaram, e talvez um de seus descendentes hoje esteja, feliz da vida, num
terreiro de umbanda por aí.
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