quinta-feira, 8 de novembro de 2012



08 de novembro de 2012 | N° 17247
L. F. VERISSIMO

Torcida

Os founding fathers, fundadores da República americana, tinham que escolher: presidente eleito pelo Congresso ou por um colégio eleitoral inspirado (mais ou menos) no modelo alemão de príncipes eleitores. O que decididamente não queriam era o voto popular, um cidadão, um voto, para impedir que a nova República se submetesse ao que um deles chamou de “tirania da massa”. Queriam, portanto, democracia, mas não demais.

Fato curioso, tornado irônico pela História: uma das razões para escolher o colégio eleitoral – cada Estado com um número de “príncipes eleitores” proporcional à sua população – foi a preocupação com os Estados do sul da federação, onde grande parte da população era de escravos negros, obviamente sem direito a voto.

Com o colégio eleitoral, os negros contavam como população, garantindo uma representação justa da região no processo eleitoral, mas não como votantes.

Outra curiosidade histórica, que só descobri agora num livro sobre De Gaulle. Este exigia que as forças francesas que tinham se mantido leais a ele durante a ocupação alemã fossem as primeiras a desfilar na Paris liberada. Negociou com o comando aliado, que concordou com sua reivindicação com uma única condição, imposta pelos americanos: que nenhum soldado negro marchasse com De Gaulle pelo Champs Elysees.

As forças americanas mantiveram-se segregadas durante toda a II Guerra Mundial e frequentes brigas entre soldados brancos e negros, os chamados raceriots, quase não entraram nas histórias oficiais do conflito.

A eleição de Barack Obama e sua possível reeleição (estou escrevendo sem saber nem como foram as pesquisas pós-pleito) teriam acontecido numa América pós-racial, mas tantos anos de preconceito e discriminação não se diluem numa geração.

Nenhum dos ataques e contra-ataques entre os candidatos, numa das campanhas eleitorais mais violentas da história americana, tocou no assunto raça, a não ser em alusões veladas, mas só o contraste entre a brancura iogurte do Romney e a cor do Baraca já é uma declaração política.

Contam que o Stevie Wonder, depois de ouvir elogios a ele e a Ray Charles, que teriam vencido na vida apesar de cegos, teria dito: “E o Ray Charles, além de tudo, é negro”. Tudo do que a direita vitriólica americana chamou o Baraca nestes últimos quatro anos – muçulmano dissimulado, maldito socialista etc – poderia terminar com a frase implícita: e, além de tudo, é negro.

Não preciso dizer que passei a terça-feira torcendo por mais quatro anos para o Barack Obama.

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