07 de novembro de 2012 |
N° 17246
DIANA CORSO
Charadas ambulantes
Conheço um senhor para quem o
essencial na vida se resume a um rádio de pilhas. Precisa acompanhar os
noticiários para controlar as transmissões extraterrestres que falam a seu
respeito. Isso é tudo o que quer da vida, não cobiça carro, apartamento de cobertura,
TV com HD, Apple, Nike. Apreciaria ter com quem conversar sobre suas
preocupações, isso basta.
Há aqueles cujos objetos
preciosos cabem num saquinho de plástico que carregam sempre consigo. Dentro
tem papéis rasgados, recortes de jornal, panos sujos, tiras, cadarços, alguma
comida, pedaços de objetos. Cada uma dessas posses possui significado para seu
dono, mas também pode ser descartada a qualquer momento. É gente sem nenhum
apego.
Outrora ditos loucos de rua, hoje
são considerados “portadores de sofrimento psíquico”. São também denominados de
psicóticos e outras classificações científicas para os encarregados de sua
saúde mental. Indiferentes à nomenclatura, andam por aí envoltos em sua nuvem.
Gesticulam nas calçadas,
discursam para seus fantasmas, o olhar nublado raramente pousa nos passantes.
Sabem parecer zumbis: andando no meio dos carros sem notar o perigo. Seguido
estão bêbados, o álcool lhes adormece o delírio, a fome, as dores.
Sempre queremos tantas coisas,
temos desejos sempre maiores do que as posses, por isso não há nada mais
incompreensível do que esses franciscanos sem fé. Até o trombadinha, o ladrão,
parecem mais naturais do que o maluco indigente: com esses ao menos partilhamos
os objetos de cobiça. Já o mendigo enlouquecido rouba-nos as certezas,
indiferente ao que consideramos essencial. Ele é uma charada que nos assalta,
uma provocação involuntária.
Às vezes, bate um desânimo, um
cansaço de lutar tanto, até as vitórias ficam sem sentido. Não é raro, entre os
ditos normais, que se fantasie com desistir de tudo, com uma vida minimalista.
Temerosos dessa vacilação, exilamos os que nada têm, nada querem, nada guardam.
Eles, fazendo parecer opcionais os caminhos que acreditávamos ser naturais, nos
despertam angústia.
De que (não) necessita gente que
veraneia na calçada? Que trama encenam suas vozes, as imagens do seu delírio? O
que dizem esses que falam estranho na nossa língua? Pensamentos e atitudes
inusuais estremecem o que consideramos óbvio.
Toda diferença traz novos
paradigmas: cegos ensinam a escutar, deficientes auditivos tornam os gestos
mais eloquentes. Loucos indigentes questionam nossa necessidade de acumular
cacarecos. O encontro com diferentes formas de perceber e compreender é como
viajar, sem avião, sem drogas. Recomendo.
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