07 de novembro de 2012 |
N° 17246
ARTIGOS - Alberto Mantovani
Abeche*
Os múltiplos direitos do
transgressor
Um fato prosaico num recente jogo
de futebol ilustra uma questão muito presente em nosso país. O gol, feito
ilicitamente com a mão e flagrado presumidamente por meio eletrônico não
previsto pela legislação, foi anulado pelo árbitro, gerando grande polêmica.
Muitas vozes se ergueram condenando a atitude do árbitro e defendendo os
direitos do atleta e do time que cometeu a infração.
Ora, para todos nós, isto não
constitui propriamente uma novidade. Em nossa sociedade, estamos acostumados a
ver todo tipo de transgressão, de maior ou menor grau, encontrar um expediente
ou lacuna na legislação que possibilite manter a liberdade e garantir os
interesses do infrator.
O fato maior, a lesão causada, o
prejuízo à vítima, tudo isso fica em segundo plano e torna-se um detalhe menor.
Prevalecem os regulamentos, as letras miúdas, os prazos, as formalidades.
Promotores, juízes e advogados esmeram-se em suas funções, mas esbarram numa
legislação conflitante e permissiva.
Sempre haverá quem se deleite
defendendo o que ocorre, exibindo grande erudição sobre todas estas minúcias, e
zombando do pouco conhecimento do homem comum, que não alcança a compreensão
dessa lógica perversa.
Parece que estamos anestesiados,
aceitamos passivamente que este emaranhado confuso de regulamentações e o seu
conhecimento minucioso frequentemente sirvam mais para evitar o cumprimento da
justiça do que para promovê-la. Estamos a ponto de aceitar definitivamente que
assim deva ser.
Parece-me que muito desta
aceitação venha da diluição da responsabilidade na tomada das decisões e na
elaboração das leis. O criminoso colocado rapidamente em liberdade pelas
formalidades acima descritas teria outro destino se soubéssemos que viria a
defrontar-se em seguida conosco ou com nossa família?
Mas não é assim que sucede, a
responsabilidade e as consequências estão diluídas. O lamento de uns não
alcança os ouvidos dos outros, e somos frios e formais nas nossas decisões.
O que cabe às vítimas e suas
famílias? Terão elas algum direito? Ver um criminoso que lhes infligiu uma dor
irreparável rapidamente posto em liberdade, e as demais pessoas expostas aos
mesmos riscos? Será o seu consolo saber que tudo isto assim acontece de acordo
com a lei?
Dizem-me que minha incompreensão
procede do meu escasso conhecimento sobre o tema, como homem comum e leigo que
sou. Dizem-me também que esta é a ordem formal e técnica das coisas e que, fora
disto, o que resta é a barbárie. Expliquem-me, então, qual nome daremos à
frequente impunidade dos criminosos e à dor silenciosa das vítimas e suas
famílias.
*MÉDICO E PROFESSOR DE
MEDICINA DA UFRGS
Nenhum comentário:
Postar um comentário