04
de novembro de 2012 | N° 17243O CÓDIGO
DAVID
| DAVID COIMBRA
MOSCAS
ELETROCUTADAS
Comprei
uma raquete de matar mosca eletrocutada. Adoro matar mosca com aquele troço. A
mosca pousa no vidro da janela e eu já empunho a raquete, empurro a
alavanquinha que aciona a eletricidade e me aproximo rosnando:
–
Você vai morrer! Vai morreeeeerrrr! Meu filho sai correndo.
Então
encosto a raquete na mosca e, tzzzz!, ela frita e sai faísca e ela bate as asas
nas vascas da morte e expira, liberando um cheiro de queimado. Dou uma risada
maligna:
–
Hô! Hô! Hô! Muito divertido.
Mas
esta semana me questionei: não estarei cometendo algum crime ambiental? Os
ambientalistas, ecologistas, preservacionistas et caterva dizem que cada animal
pequeno, médio ou grande tem a sua função na natureza, e que por isso não
devemos mexer com eles. Qual será a função da mosca? E da barata?
Confesso
que também não gosto muito de baratas e não sinto dramas de consciência ao
esmagá-las numa chinelada vigorosa. Talvez os ecologistas não deem importância
especial aos insetos, afinal. Darão às ratazanas? Não ficaria chateado se todas
as ratazanas do mundo sumissem, admito. Qual será a função delas?
2
Namorando um piteco
Isso
de cada espécie ter a sua função. Milhares de espécies já foram extintas do
planeta, e não fazem falta. Nem falo em dinossauros e pterodátilos, que eram
grandes demais. Falo em pássaros dodôs ingênuos, em mamutes de tamanho razoável
e até em... seres humanos. Sim! Havia dezenas de espécies humanas na Terra e só
nós, Homo sapiens, restamos.
Se
os preservacionistas atuassem há três ou quatro milhões de anos, hoje
partilharíamos espaços nos estacionamentos de shoppings com tipos como o
australopiteco, que tinha um metro de altura e a inteligência de um cão
labrador. Imagine se a sua filha começasse a namorar um australopiteco. Você
sabe como são os adolescentes quando querem confrontar os pais e manifestar sua
independência...
Na
verdade, talvez não tenha sido ruim que os australopitecos tenham sido extintos
junto com os mamutes e os pássaros dodôs. Mas, antes que os ecologistas me
ataquem e insultem, como sói acontecer, quero deixar patente que sou contra a
extinção dos animais que atualmente dividem o planeta conosco, como os nobres
tigres e leões, as baleias que o Rei tanto ama, o jacaré de papo amarelo e,
sobretudo, o bacalhau, que me disseram estar acabando, o que muito me
inquietou, não quero viver num mundo sem bacalhau.
Enfim,
amo os animaizinhos de todos os portes, exceto os já referidos ratos, moscas e
baratas, e as bactérias e vírus, e os protozoários em geral, e a maioria dos
vermes, e, claro, os pitbulls.
3
O despejo do urubu
Por
que escrevo tudo isso?
Para
sublinhar que não sou contra o urubu.
Ocorre
que, esta semana, escrevi sobre o caso de um urubu que construiu seu ninho na
sacada de um apartamento da Bela Vista. O proprietário do apartamento chamou a
Secretaria do Meio Ambiente, que o notificou: o ninho não pode ser removido. Se
for, será cometido crime ambiental. O homem terá de conviver com os urubus até
que os filhotes cresçam e decidam se mudar.
Considerei
um excesso de zelo animal da Secretaria. Afinal, uma sacada de apartamento é
parte de um ninho humano, não de um ninho de urubu. O invasor ali é o urubu,
não o homem. E, se o ninho for retirado, o urubu provavelmente não desistirá de
constituir família, embora a mamãe urubu talvez fique chateada. Quer dizer: a
remoção do ninho não acarretará risco à sobrevivência da espécie dos urubus.
Eles continuarão por aí, comendo suas carniças e batendo suas asas.
Considerei
meus argumentos bastante ponderados, mas houve quem não pensasse assim. Passei
a semana ouvindo falar de urubu. A favor do urubu.
Há
muita gente que defende os animais e a natureza, hoje em dia. São grupos
organizados e ativos como colmeias. Quando se manifestam a respeito de algo que
você falou ou escreveu tornam-se ferozes como tigresas na vigilância das crias.
O curioso é que eles são ótimos com bichos e plantas, mas não são tão hábeis
com as pessoas. Por que tanta intolerância com sua própria espécie? Há algo de
profundo aí.
4
O corvo
Continuo
a favor do despejo do urubu, mas volto a frisar: não é nada pessoal, embora não
o considere um bicho bonito como a arara e nem mesmo sombriamente charmoso como
o corvo. Até porque o corvo mereceu um poema imortal de Poe:
“E
então abri a janela, e eis que penetrou por ela na câmara um nobre corvo,
desses de eras ancestrais.
Entrou
sem deferimento, sem fazer um cumprimento, dama ou lorde pachorrento, e pousou
sobre os umbrais.
Pousou
num busto de Palas, pousou lá, e nada mais.”
O
urubu, que eu saiba, só foi alvo de homenagem ao dar título a um disco do Tom
Jobim e ao simbolizar a torcida do Flamengo.
De
toda maneira, repito: espero que as famílias de urubus vivam em paz e se
reproduzam alegremente, desde que fiquem longe de mim. Jamais investiria contra
um urubu, ainda que fosse inventada uma raquete gigante para eletrocutá-los.
Quanto às moscas, desculpem-me seus eventuais defensores, continuarei a fritá-las
sem dó. A primeira que aterrissar na minha janela, já sabe:
–
Você vai morrer! Vai morreeeeerrr!
Às
vezes eu também posso ser mau.
A
orquídea e o serial killer
Todo
mundo conhece, ou devia conhecer, a pena ferina, sarcástica, iconoclasta e
corrosiva do Juremir Machado da Silva. Ou será que, em tempos de
pós-modernidade, deveria dizer o teclado ferino, sarcástico, iconoclasta e
corrosivo? Bem. O fato é que é assim que o Juremir escreve, embora pessoalmente
ele seja uma moça de gentileza. Agora, nesta Feira, ele está lançando um livro
de crônicas pela L&PM, A orquídea e o serial killer, que é tudo isso:
ferino, sarcástico, iconoclasta e corrosivo.
São
100 crônicas que precisam ser lidas e relidas. Mas, na abertura do volume, o
Juremir mostra uma faceta pouco conhecida do seu trabalho: ele mostra que é
poeta. Vou reproduzir um naco do poema de apresentação do livro, que também é
uma espécie de profissão de fé. O resto? Leia o livro.
Não
serei o poeta de um mundo novo.
Tampouco
serei o cantor do meu povo.
Não
falarei jamais algo sublime.
Praticarei
sempre o mesmo crime...
Farei
poesia sem poesia
Romance
sem personagem,
Teatro
sem maquiagem.
Nunca
voltarei à Antiguidade,
Nem
mesmo à velha modernidade.
Ano
depois de ano,
Rasgarei
a fantasia,
Em
nome do cotidiano.
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