04
de novembro de 2012 | N° 17243
PAULO
SANT’ANA
Métodos
medievais
Meu
pai se chamava Cyrillo Sant’Ana. Era filho de Israel Sant’Ana, por óbvio meu
avô.
Meu
pai me contava, quando eu era criança, que meu avô tinha cinco filhos, meu pai
e quatro irmãos e irmãs.
E
que meu avô tinha dependurado na parede da sala da casa deles um relho de couro
trançado, que naquele tempo se chamava rabo de tatu.
E
que, quando queria surrar um de seus cinco filhos, meu avô o chamava na
cozinha, no pátio ou em qualquer parte da casa e pedia ao filho que ia ser
surrado que fosse buscar o relho que estava dependurado na parede da sala.
Estou
contando que meu avô ordenava ao filho que ia ser surrado dentro de um minuto
que fosse buscar o relho que iria usar na surra decidida.
Já
pensaram na humilhação e dor moral que continha essa ordem esquisita e cruel do
meu avô?
A
criança ou adolescente atravessar toda a casa em busca do rebenque que o
torturaria dali a instantes!
E
dizia meu pai que a surra era sempre demorada e dolorida.
Não
posso classificar a tara de meu avô ao mandar seu filho buscar o próprio relho
que lhe infligiria a grande surra.
Mas
era com castigos desse tipo que muitos pais educavam seus filhos no início do
século passado.
Cogito
da razão por que meu pai me contava sobre esse sofrimento seu e de seus irmãos.
Calculo
que meu pai me contava para justificar as surras tremendas que me dava, como
que a me dizer assim: “E tu tens a sorte de que não te mando buscar o relho na
sala, como teu avô fazia comigo”.
Conheço
todas as nuanças da opinião pública e não desprezo a hipótese de que muita
gente ainda hoje aprove esses métodos medievais de educação de crianças e
jovens.
A
forma despótica a que eram submetidos os filhos antigamente contraria
frontalmente os princípios modernos de pedagogia. Mas não me escapa que hoje em
dia muita gente aprova aquela maneira terrível com que os filhos eram educados,
a pretexto de que crianças e adolescentes criados assim tão drasticamente
sempre se tornavam adultos de bem, aplicados, estudiosos e trabalhadores.
O
que eu penso desse exemplo trazido a mim pelo meu pai é que se tratava de uma
safadeza de meu avô.
Uma
inominável judiaria contra meu pai e meus tios. Uma forma anárquica e cruenta
de educar os filhos. Para mim, uma canalhice sem desculpa. Uma malvadeza. Um
lixo cultural que deveria ter sido jogado ao monturo dos primórdios da chamada
civilização.
Muito,
e com desprezo, recordo de meu pai pelas dores que me causavam os severíssimos
castigos corporais a que me submetia.
E,
por isso também, pouco me recordo de meu pai em raras atitudes de carinho que
demonstrava comigo, das quais uma só não me sai da lembrança: quando, uma só
vez, em cima de sua cama, me envolvia entre suas pernas afetuosamente e pedia
que eu tentasse me livrar da “tesoura” que aplicava docemente em meu tórax.
Nunca
vi nem ouvi dizer que espancar filho ajuda em alguma coisa.
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