quarta-feira, 1 de abril de 2015


01 de abril de 2015 | N° 18119
DAVID COIMBRA

As mulheres nuas

Senti certa melancolia ao ver as cenas daquela mulher que caminhava nua pelas ruas de Porto Alegre na segunda-feira.

Em geral, à menção dessas duas palavras acopladas, “mulher nua”, você pensa no prazer, na excitação, na alegria do sexo. Vida louca. No caso dessa mulher nua, e de outras mulheres nuas de Porto Alegre, não.

Era uma nudez triste.

A mulher caminhava com os ombros encurvados e os braços ao longo do corpo, sem rumo aparente, como se caminhasse apenas por caminhar. Ela não marchava, nem desfilava. Seguia em frente, só. Não havia afronta nem ostentação em sua nudez. Ela parecia estar nua quase que por acaso.

“Mais uma?”, gritou um homem que a filmava com o celular.

Mais uma. Houve outras. Faz já alguns meses que, de repente, uma mulher tira toda a roupa e sai a caminhar pelas ruas de Porto Alegre.

Não tenho conhecimento de que isso esteja ocorrendo em outra parte do mundo. Só em Porto Alegre. Por que as mulheres se desnudam em público em Porto Alegre? Não é por calor, não é uma forma de protesto, tampouco é para chocar. De fato, elas não chocam. Não soube de gente que queira que toda a nudez dessas mulheres seja castigada, nem de homens que tenham se entusiasmado com o que viram. As pessoas olham e ficam quase indiferentes.

Talvez todos sintam mais ou menos o que senti vendo as cenas. Talvez sintam que essas mulheres, quando tiram a roupa e se expõem, não querem exatamente se exibir, mas, apenas, chamar a atenção das outras pessoas.

Tempos atrás, vi cenas de homens que tiraram a roupa na Redenção, em um domingo de manhã. Aqueles se desnudaram por exibicionismo. Era uma nudez premeditada, sorridente e orgulhosa. Um deles chegou a cobrir o sexo com um chapéu, num tempo em que homem nenhum usa chapéu. Quer dizer: não havia despojamento naquela nudez. Havia consciência, inclusive da sexualidade. Era uma nudez promocional.

A dessas mulheres, não. A nudez dessas mulheres é uma nudez assexuada. É a nudez da essência do ser humano, uma nudez de bicho. Não chega a ser uma nudez de criança pequena, porque também não há inocência no gesto.


Há um passado por trás daquilo. Um desespero. Um dia, aquelas mulheres foram crianças nuas e leves, agora não mais. Agora elas são nuas e desistentes. Elas andam em silêncio pelas ruas de Porto Alegre, mas é como se gritassem: olhe para mim, eu existo. Eu existo.

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