sexta-feira, 7 de março de 2014


07 de março de 2014 | N° 17725
PAULO SANT’ANA | PAULO SANTANA

Reflexões à mesa

Estranho que haja pessoas que anseiem viver cada vez mais, enquanto outros há que desejam morrer rapidamente para escapar de seu sofrimento ou do vazio de suas vidas.

Conversava eu com um amigo à mesa do restaurante, quando argumentávamos sobre diversos assuntos, explorando com minúcias os ângulos de todos eles.

Foi quando o meu amigo me disse que, por isso, não citasse seu nome em minha coluna.

E eu respondi a ele que o entendia. Havia colunas minhas nas quais arriscava tanto em meus conceitos que, se pudesse, não citaria nem meu nome como autor da coluna.

Ainda a respeito de duas pessoas que jantam juntas, considero que o mais chato dos sujeitos é o que vai jantar conosco e não tem incontinência urinária, por isso não levanta em nenhum momento durante toda a janta para ir ao banheiro.

Um amigo da gente é como a esposa da gente, de repente tem de dar uma folga na conversa e ir até o banheiro, caso contrário enche o saco.

Quando vou almoçar num espeto corrido, noto que me chateia o garçom que toda hora vem oferecer alguma coisa, mas gozado é que também me chateia o garçom que, num espeto corrido, não passa nunca na minha mesa para saber se quero alguma coisa.

No restaurante, notei que não havia mictório no recinto do banheiro. Só aí percebi – e fugi dali ligeiro – que tinha entrado no toalete feminino.

Percebo que o crime ou a vontade de cometer um crime são intrínsecos à natureza humana como a mentira, o cinismo e a traição.

Por sinal, quantos milhões de pessoas deixam de cometer crimes somente porque foram divulgadas as suas penas? Este é o caráter intimidativo da pena.

Sempre que espirro ou soluço, deparo com a interrogação de por que isso acontece.

Fui ao dicionário e li simplesmente que o espirro e o soluço são contrações dos músculos respiratórios. Mas não descobri o porquê dessas contrações.

Intuo que as maiores verdades são ditas da boca para fora: se tivéssemos refletido, não as pronunciaríamos.

Apoderou-se de mim, por repente, um saudosismo. Tenho saudade do realejo que passava pela minha rua e que consistia num periquito ao vivo que escolhia numa caixa, com o bico, um conselho escrito a quem o adquirisse por pequena quantia em dinheiro.

Tenho saudade da pandorga e da pandorga com gilete amarrada em seu rabo para derrubar as outras pandorgas.

Tenho saudade do jogo de pião sobre a calçada, do bilboquê, da roda de mãos agarradas, do jogo de taco com bola de tênis e casinha derrubada, do jogo de bolas de inhaque, das flechas e das armadilhas, do bodoque, embora nunca o tivesse usado e lembro-me perfeitamente da euforia de que eram tomados os outros guris que derrubavam passarinhos.


Em suma, tenho saudade da infância, embora o meu maior desejo atualmente é o de ser cada vez mais velho.

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