07
de março de 2014 | N° 17725
PAULO
SANT’ANA | PAULO SANTANA
Reflexões à
mesa
Estranho
que haja pessoas que anseiem viver cada vez mais, enquanto outros há que
desejam morrer rapidamente para escapar de seu sofrimento ou do vazio de suas
vidas.
Conversava
eu com um amigo à mesa do restaurante, quando argumentávamos sobre diversos
assuntos, explorando com minúcias os ângulos de todos eles.
Foi
quando o meu amigo me disse que, por isso, não citasse seu nome em minha
coluna.
E eu
respondi a ele que o entendia. Havia colunas minhas nas quais arriscava tanto
em meus conceitos que, se pudesse, não citaria nem meu nome como autor da
coluna.
Ainda
a respeito de duas pessoas que jantam juntas, considero que o mais chato dos
sujeitos é o que vai jantar conosco e não tem incontinência urinária, por isso
não levanta em nenhum momento durante toda a janta para ir ao banheiro.
Um
amigo da gente é como a esposa da gente, de repente tem de dar uma folga na
conversa e ir até o banheiro, caso contrário enche o saco.
Quando
vou almoçar num espeto corrido, noto que me chateia o garçom que toda hora vem
oferecer alguma coisa, mas gozado é que também me chateia o garçom que, num
espeto corrido, não passa nunca na minha mesa para saber se quero alguma coisa.
No
restaurante, notei que não havia mictório no recinto do banheiro. Só aí percebi
– e fugi dali ligeiro – que tinha entrado no toalete feminino.
Percebo
que o crime ou a vontade de cometer um crime são intrínsecos à natureza humana
como a mentira, o cinismo e a traição.
Por
sinal, quantos milhões de pessoas deixam de cometer crimes somente porque foram
divulgadas as suas penas? Este é o caráter intimidativo da pena.
Sempre
que espirro ou soluço, deparo com a interrogação de por que isso acontece.
Fui
ao dicionário e li simplesmente que o espirro e o soluço são contrações dos
músculos respiratórios. Mas não descobri o porquê dessas contrações.
Intuo
que as maiores verdades são ditas da boca para fora: se tivéssemos refletido,
não as pronunciaríamos.
Apoderou-se
de mim, por repente, um saudosismo. Tenho saudade do realejo que passava pela
minha rua e que consistia num periquito ao vivo que escolhia numa caixa, com o
bico, um conselho escrito a quem o adquirisse por pequena quantia em dinheiro.
Tenho
saudade da pandorga e da pandorga com gilete amarrada em seu rabo para derrubar
as outras pandorgas.
Tenho
saudade do jogo de pião sobre a calçada, do bilboquê, da roda de mãos
agarradas, do jogo de taco com bola de tênis e casinha derrubada, do jogo de
bolas de inhaque, das flechas e das armadilhas, do bodoque, embora nunca o
tivesse usado e lembro-me perfeitamente da euforia de que eram tomados os
outros guris que derrubavam passarinhos.
Em
suma, tenho saudade da infância, embora o meu maior desejo atualmente é o de
ser cada vez mais velho.
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