segunda-feira, 6 de janeiro de 2014


06 de janeiro de 2014 | N° 17665
ARTIGOS  Paulo Brossard*

Guerra psicológica

Em sua mensagem de fim de ano, a senhora presidente, em rede de rádio e televisão, mencionou fatos, supostos ou reais, de suma gravidade; nada menos que uma guerra psicológica contra o Brasil. Isto, dito por alguém do primeiro escalão, do segundo ou mesmo do terceiro, já seria temerário, pelos inevitáveis e variados efeitos que não poderiam deixar de atingir o país, mas é simplesmente espantoso quando dito pela chefe do governo e do Estado, titular do Poder Executivo, que envolve a maior soma de poderes que homem possa possuir e exercitar, que tenha a chefia da administração, exerça o comando supremo das Forças Armadas, tenha a palavra final nas relações internacionais, inicie o processo legislativo, para dizer o menos.

É chocante que isso tenha sido dito pela chefe do governo e do Estado, valendo-se de inexcedível rede de comunicação. Ou a presidente tem ciência dessa situação, cujas consequências podem ser incalculáveis e de difícil aferição, ou, se a denúncia formulada não tiver seriedade, o mínimo que se pode dizer é que a autoridade terá demonstrado a ausência do imprescindível senso de responsabilidade.

Desgraçadamente a mensagem em causa, da “guerra psicológica”, assoalhada pela senhora presidente, parece não ter nenhuma objetividade, pois nela tudo é hipotético, “se alguns setores, seja por que motivo for, instilarem desconfiança, especialmente desconfiança injustificada, isso é muito ruim”. Isto “se alguns setores instilarem desconfiança”, ou seja, trata-se de mera hipótese, “se” e nada mais.

Mas não é só. Na mesma linha, acrescenta a mesma alta autoridade que “a guerra psicológica pode inibir investimentos e retardar iniciativas”, ambas as passagens contêm mera possibilidade ou hipótese apenas possível e nada mais. Aqui a leviandade é mais lamentável e mais comprometedora da dignidade das instituições e, o que é gravíssimo, patrocinada pela chefe do governo e do Estado.

Confesso que escrevo este artigo com o maior constrangimento cívico e com a consequente indignação, ainda que com uma forma extremamente contida. A verdade é que muito e muito mais poderia e deveria ser dito, diante da inédita e inaudita inconsciência revelada. Desnecessário dizer da minha perplexidade em face do acontecido. O certo é que, se nem todos os presidentes eram dotados de atributos excepcionais, de nenhum se poderia dizer que teria incidido em semelhante claudicação funcional.

Alguns dos maiores jornais do Brasil publicaram essa matéria na primeira página, em suas edições do dia 30 de dezembro. Após a estupenda história da “guerra psicológica”, a senhora presidente repetiu “compromisso de manter o equilíbrio das contas públicas e controle da inflação”.

Aqui o expediente cheira a pilhéria, pois foi exatamente a deterioração das contas públicas ao longo do ano uma das maiores causas que minaram a confiança dos investidores, e a inflação continuou em patamares elevados, tanto que, para enfrentar o câncer da inflação, o juro que se mantivera estável na casa dos 7,25% ao ano de outubro de 2012 a abril de 2013, foi sendo elevado até atingir o índice dos 10%, como tinha sido em janeiro de 2012. É dessa forma que as contas públicas, de braços dados com a inflação, refletem as benemerências do governo que se esfalfa na reeleição em campanha aberta, afrontosa à lei eleitoral.

À medida que se entrava no quarto trimestre, os maus resultados administrativos começaram a ser conhecidos e, em breve, os dados completos estarão sendo divulgados em toda a sua amarga objetividade.

Por fim, em lugar de uma mensagem adequada ao encerramento de um período de notórias e variadas dificuldades, a nação foi testemunha de um desengonçado autoelogio em ritmo eleitoral, com fogos de artifício de muitas formas e cores.

*JURISTA, MINISTRO APOSENTADO DO STF


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