12 de janeiro de 2014 | N° 17671
CAPA
RECEITA PARA UMA VIDA DE PAZ
Mariela Silveira reflete a quebra dos tabus que cercam a
meditação. Filha de pai católico e mãe espírita, não quis seguir religião
alguma e prometeu ser fiel à ciência quando se formou em Medicina pela Ulbra.
Entre os objetivos, um prioritário: trabalhar com o que
proporcionasse bem-estar às pessoas. Escolha um tanto previsível, já que
Mariela engatinhou ainda de fraldas pelos corredores do Kurotel Centro de
Longevidade e SPA (que ajuda a dirigir atualmente), fundado pelos seus pais,
Luís Carlos e Neusa Silveira, em 1982, na Serra. E cresceu uma criança
diferente, que enxergava uma peraltice no ato de deixar envelopes com sementes
de plantas embaixo das portas dos vizinhos em Gramado.
Foi em 2003, ao longo de uma viagem à Índia, que a gaúcha
percebeu nos exercícios mentais de relaxamento uma alternativa para promover a
paz.
– Vi que não era a miséria que provocava a violência em um
país. Era possível observar que, por mais pobres que aquelas pessoas fossem,
elas viviam em harmonia e incitavam o bem. Foi aí que a meditação entrou na
minha vida – lembra.
Para exterminar o preconceito – o dela mesmo, inclusive –,
muniu-se de livros, pesquisas e estudos sobre o tema para buscar respaldo
científico e poder investir na prática sem receio. Verificou dados concretos de
melhora na frequência cardíaca, pressão arterial, imunidade e até no
comportamento quando comparava meditadores e não-meditadores.
– Eu achava que poderia ser mal vista pelas pessoas como
praticante de uma atividade sem comprovação. Mas percebi que tinha fundamento e
parei de me sentir a “Mariela bicho-grilo” (risos). Além disso, me dei conta de
que era um instrumento maravilhoso, comum entre as pessoas, independentemente
de crença, de onde ela nasceu, de qual a cultura – reforça.
E assim, a médica de 34 anos que preferia intitular a
atividade como “exercício de relaxamento ou dirigido” para formalizar o termo,
deixou o constrangimento no passado e passou a prescrever a meditação em
receitas, além de se tornar uma das principais incentivadoras da atividade no
Estado via fundação da ONG Mente Viva, em 2007, ao lado da sócia Anmol Arora.
Trata-se de um projeto que leva a prática para escolas
públicas e privadas de Gramado, Porto Alegre, Eldorado, Gravataí, Tapes e
Pelotas, com um trabalho pré-aula de cinco a 10 minutos com as crianças e que
estimula a concentração, a afetividade e o desempenho escolar – com resultados
positivos já comprovados em pesquisa.
A técnica utilizada é a mindfulness, ou atenção plena, que
visa trazer o foco para o presente e “desligar” o cérebro, mentalizando
pensamentos positivos.
– É claro que essa não é a única solução para terminar a
violência, que é algo muito mais complexo. Mas de um modo geral, a medicina só
foca no tratativo, não foca tanto na prevenção como deveria. Com a violência é
igual. Tudo bem falar sobre reabilitação, mas existe também aquele indivíduo
que tem todos os fatores de risco, mas ainda não cometeu um crime e que pode ser
observado mais de perto. E a prevenção primária mesmo, aquela desde criança –
analisa.
Mariela garante: a meditação é simples, gratuita e, no bom
sentido, vicia – a ponto de torcer para que uma viagem de ônibus dure mais do
que o tempo previsto para poder praticar, ou de ficar entristecida quando o
despertador não toca no horário correto e a impede de meditar nos minutos
iniciais do dia.
E, assim como em qualquer outra atividade, requer paciência e
prática para pegar o jeito. Na sua opinião, a meditação trabalha com uma das
grandes questões da humanidade: a de como aumentar o espaço interno de conforto
para viver com mais qualidade.
– Os indianos costumam falar que a mente é como se fosse um
macaco com o rabo pegando fogo, mordido por mil escorpiões, pulando de galho em
galho. Está sempre no passado e no futuro, nunca conosco. Em resumo: a
meditação ajuda a pessoa a trazer a consciência para o presente – analisa. –
Atualmente, o mundo convida à vigilância, à pouca tenacidade, à falta de
atenção.
Então, precisamos aprender que temos limites para ficarmos
internamente bem. Não é exercício de estímulo, é de relaxamento mesmo. A mente
é um produto do cérebro, que não está em nenhum lugar do nosso corpo. A
meditação faz os dois se encontrarem e ajuda a buscar recursos internos para
enfrentar as dificuldades do dia-a-dia.
A recomendação da especialista é reservar de 10 a 20 minutos
por dia, cinco vezes por semana, para o exercício. Sentar, fechar os olhos,
respirar e esvaziar a mente.
Para quem se blinda com o argumento de que a rotina é muito
corrida para isso, ela repete um mantra de sua coach Dulce Magalhães: “Medite
20 minutos por dia. Se você acha que está sem tempo, então medite por uma
hora”.
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