30 de janeiro de 2014 |
N° 17689
PEDRO GONZAGA
Saúde
Não poucas vezes, quando os
alunos me perguntam o que caracteriza a crônica como gênero, respondo que é sua
ligação evidente com o tempo, que está em seu próprio nome, mas com um tipo
especial de tempo, não com aquele tempo de caráter mais profundo e filosófico
(tema das grandes obras artísticas, está aí A Grande Beleza ainda em cartaz),
mas com o tempo em seu caráter mundano, diário, jornalístico. Daí porque –
excetuadas as crônicas voltadas para o passado, tantas vezes úmidas de
melancólica nostalgia – o tom é sempre coloquial, de bar (crônica leve ou de
humor), ou de café (crônica investigativa ou de tese).
Concordo, é uma definição
bastante esquálida, mas estamos conversando, acabamos de sair do cinema e fomos
tomar um chope para escapar à noite sem vento em Porto Alegre. Pensando bem, eu
diria que faltou uma categoria acima, perigosa mistura das duas anteriores, tão
em voga hoje em dia: a crônica “tese de botequim”, perigosa justamente pela
seriedade de que se reveste o cronista para tratar de um assunto cujo domínio
muitas vezes lhe escapa.
Vejamos. Pegássemos agora o que
foi dito afoitamente sobre as manifestações do ano passado e já veríamos o quão
tolas (e por que não equivocadas) podem ser as conclusões definitivas. O mesmo
valeria agora para o rolezinho, não lhes parece? Quantas certezas, quantas
frases lapidares, quantas candidaturas a porta-voz das ruas.
A meu ver, quase tudo
botequinaço, encoberto pelo tom professoral de supostos entendidos, que não
conversam, mas discursam; que não debatem, mas monopolizam. Esse erro de
registro, o tempo logo se encarrega de denunciar. Essa arrogância já agora
visível na elocução das crônicas amanhã estará obsoleta. Enquanto isso,
continuaremos conversando levemente, sem cara feia para quem interromper a
seriedade de um assunto para discutir se o colarinho deve ter um ou dois dedos
de espessura. A democracia, se de fato é possível experimentá-la, existe em
torno de uma grande mesa, cercada de amigos.
A eternidade seria um lugar
tolerável somente em torno dessas mesas animadas. Livres associações,
divergências, argumentos passionais, pilhérias, xingamentos, amor. Porque o
resto é a burocracia do cotidiano, a malfadada missão civil e a alienação de
que seremos acusados. Saúde.
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