30 de janeiro de 2014 |
N° 17689
L.F. VERISSIMO
A primeirona
O poeta inglês Rupert Brooke
morreu durante a I Guerra Mundial. Era moço, bonito e um poeta passável. Morreu
em 1915, um ano depois do começo da guerra. Num dos seus poemas, intitulado O
Soldado, ele tinha escrito: “Se eu morrer, pense apenas isto de mim: que há uma
cova num campo estrangeiro que será, para sempre, a Inglaterra”.
Brooke ficou como uma espécie de
símbolo da juventude inglesa dizimada pela guerra de 14, toda uma geração,
incluindo os seus poetas, que não voltou das trincheiras. A única coisa errada
nesta história convenientemente romântica é que Brooke morreu durante a I
Guerra, mas não na I Guerra. Foi vítima de uma infecção causada por uma picada
de mosquito, sem nunca ter estado numa trincheira.
Se Rupert Brooke não serve como
herói romântico e representante de uma geração destruída, serve como símbolo de
todos os enganos que levaram à carnificina da chamada Grande Guerra, quando
milhões morreram sem saber bem por quê.
Visto em retrospecto, o mais
impressionante na I Guerra, cujo centenário se comemora neste ano, é o volume
de mal-entendidos, mesquinhez e simples burrice que tornou inevitável um
conflito, no fim, por nada. Alguns impérios agonizantes ruíram, algumas
fronteiras foram redesenhadas, alguns orgulhos nacionais foram servidos – nada
que valesse a vida de um só poeta. A Primeirona funcionou como campo de prova
de novas tecnologias de guerra (o avião, o tanque, a metralhadora, o gás
venenoso) e deixou tantas questões políticas pendentes, que tornou inevitável,
também, a Segundona. E deixou o novo material bélico pronto para essa outra
carnificina.
Já se disse que guerra é uma
coisa importante demais para ser confiada a generais, mas, no caso da I Guerra
Mundial, governantes e diplomatas completaram a incompetência mortal dos militares.
Foi um mau momento da nossa história como espécie racional, uma apoteose da
estupidez humana. Que, com a glorificação literária de sacrifícios como o de
Brooke (esquecido o detalhe do mosquito) e outros poetas, também ganhou a
bênção de intelectuais, para os quais a guerra, menos do que uma tragédia, foi
um ritual de passagem que enriqueceu as letras inglesas e europeias,
substituindo o idealismo do século 19 pelo ceticismo moderno. E o mais triste –
visto desta distância – é que tudo poderia ter sido evitado.
Brooke, como na previsão do
soldado do seu poema, foi enterrado num campo estrangeiro, em Skyros, na
Grécia. Mas há uma lápide com seu nome no Westminster Abbey, em Londres. A
inscrição na lápide é de outro poeta, Wilfred Owen, este um autêntico sacrificado
pela Primeirona: “Eu escrevo sobre a guerra, e o lamento da guerra. A poesia
está no lamento”.
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