29 de janeiro de 2014 |
N° 17688
ARTIGOS - Leandro
Fontoura*
Mazelas privadas
Talvez o dado mais interessante
na denúncia de cartel que cerca o governo de São Paulo não seja o pagamento de
propina a funcionários públicos e a políticos. Mesmo para um país acostumado a
escândalos de corrupção, temos um componente novo nesse que ora teima em
sangrar o governador Geraldo Alckmin e seus antecessores também tucanos.
O Brasil está habituado a
esquemas mais modestos, para não dizer mambembes. Ou não tivemos um presidente
da Câmara que exigiu uns pilas de um empresário para assegurar a permanência de
seu restaurante nas dependências do parlamento?
Também tivemos um Maurício
Marinho vendendo-se bem relacionado no PTB para arrancar R$ 3 mil de um
empresário. O caso desembocou no mensalão petista – esse sim um escândalo digno
de nota por inovar na engenharia financeira envolvendo empréstimos bancários. O
Ministério Público Federal calcula que pelo menos R$ 141 milhões passaram pelo
esquema. Para manter a equidade, é bom lembrar que, para o mesmo MPF, o
mensalão do PSDB foi a primeira experiência, um projeto-piloto em Minas Gerais,
dessa logística.
Antes dos mensalões, tivemos os
anões do orçamento, descobertos depois que um funcionário do Congresso decidiu
abrir a boca e entregar um conluio de deputados com empreiteiras. Esse era um
rolo graúdo. Quando envolve construtoras, a negociata é profissional.
Mas a denúncia de fraudes no
sistema de transporte metroferroviário de São Paulo é muito mais refinada do
que temos visto por aí. Trata-se de um esquema que superou obstáculos
geográficos e linguísticos, pois envolve multinacionais de diversos países,
como a alemã Siemens e a francesa Alstom. Mais de R$ 500 milhões, assim dizem
as estimativas, teriam sido desviados por meio de acordos entre as companhias
para burlar concorrências públicas.
É por isso que a propina
supostamente paga a funcionários públicos e a políticos tucanos não é a
novidade do caso. Alguém logo vai dizer que foi apenas caixa 2, a justificava
padrão para atenuar os deslizes de um sistema eleitoral defeituoso. O que a
denúncia paulista traz à tona são as mazelas da iniciativa privada, as quais
dificilmente chegam ao nosso conhecimento.
Por conta das inúmeras disfunções
da administração pública – entre elas o patrimonialismo, a burocracia lenta e a
ineficiência –, o brasileiro tende a achar que corrupção é um problema apenas
do Estado. E as deficiências do mundo corporativo – como práticas predatórias,
monopólios, fraudes contábeis e condições de trabalho desumanas – passam ao
largo do escrutínio público.
Hoje, entra em vigor uma norma
que promete combater os desvios na esfera privada. A Lei Anticorrupção prevê
pesadas multas e até mesmo o encerramento das atividades para companhias
flagradas em delito contra a administração pública. Não bastará mais a essas
empresas afastar dirigentes sob suspeita e lançar nota lamentando as falhas dos
mesmos: terão de arcar com os custos das irregularidades. É também o primeiro
passo para que o brasileiro passe a enxergar o corruptor e não apenas o
corrupto.
*JORNALISTA
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