quarta-feira, 15 de janeiro de 2014


15 de janeiro de 2014 | N° 17674
MARTHA MEDEIROS

Gritos e sussurros

A série Amores Roubados já recebeu muitos elogios – merecidos – e vim aqui ajudar a confirmá-los: tudo é mesmo excelente. Fotografia, direção, roteiro, elenco, trilha sonora. Se os puristas quisessem reclamar de algo, talvez apontassem o dedo para a sonoplastia: nem sempre se entende o que os personagens dizem. Mas ninguém reclamou, e, mesmo passando meio despercebida, a sonoplastia também é responsável pelo aroma de renovação que o programa exala.

Os atores sussurram, baixam o tom no fim das frases, suspiram, viram de costas para a câmera. O calor do Nordeste e a consequente preguiça que advém das altas temperaturas não convidam a excessos verbais. Nada de discursos inflamados. Economiza-se a voz, vai-se direto ao ponto, e quem não entendeu, não entendeu.

Mas a gente entende, porque é muito parecido com o que acontece entre nós, nas nossas casas. Nem sempre é preciso dizer tudo, as circunstâncias também têm voz, os acontecimentos falam, o desenrolar da vida ajuda a narrar a história e, se por acaso ficou faltando a clareza de uma palavra, o contexto dá conta de manter a compreensão dos fatos.

Nesse ponto, vale lembrar o extremo oposto: a novela Avenida Brasil, que foi encenada aos gritos, todos falando ao mesmo tempo, uns por cima dos outros, muitas vezes também nos fazendo desconfiar dos próprios ouvidos: o que foi mesmo que a Carminha disse? Um barraco por dia, descompostura geral, ninguém ali era lorde, os braços falavam junto, o corpo inteiro, olha pra mim, sente minha emoção, não precisa entender tudo o que digo.

Mas a gente também entendia, porque também era parecido com o que acontece entre nós, nas nossas casas, quando interrompemos a fala do outro na ansiedade de dizer o que pensamos, na pressa de nos comunicarmos, na busca daquela autoridade conferida a quem fala mais alto, a quem fala por último, a quem usa a eloquência na tentativa de encerrar o assunto.

A realidade crua tem sido a grande novidade, um presente ao telespectador que espera por mais. Tramas mastigadinhas divertem, distraem, mas não ganham nosso respeito, não nos dão a sensação de que fomos levados a sério, de que acreditaram na nossa capacidade de compreensão. Quando uma obra se atreve a fugir de uma fórmula consagrada, ela faz uma homenagem à nossa inteligência.

E aproveito para mencionar também Azul é a Cor mais Quente, filme que comento com atraso – todo mundo já rendeu loas –, mas que é outro exemplo de vida cravando os dentes, indo além de gritos e sussurros, privilegiando olhares, gemidos, lágrimas, suores, nuances, tensões, tesões, tudo o que comunica sem precisar de uma palavra exata.

A plateia agradece a confiança.


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