22 de janeiro de 2014 | N° 17681
MARTHA MEDEIROS
A grande beleza
Em sua forma, o elogiadíssimo A Grande Beleza não faz o meu gênero de filme, mas é inegável que, com brilhantismo, coloca o dedo na ferida aberta da sociedade ocidental: a nossa decadência travestida de modernidade. Está tudo ali: exibicionismos, hipocrisia, vazio existencial, solidão epidêmica. Nada escapa ao olhar de Jep Gambardella, personagem que está envolvido até o pescoço com a superficialidade dos valores atuais, mas que julga não ter perdido a sensibilidade de todo – ele ainda consegue se emocionar através da arte e da memória. Quanto ao futuro, é um otimista, afinal, sempre existe a possibilidade de sermos melhores um dia.
Numa Roma apresentada quase como se fosse uma ilusão de ótica – afinal, “é tudo um truque” –, o personagem chega aos 65 anos desprezando esse e outros ilusionismos, mas não perde o charme de dândi. Sem tirar o sorriso cínico do rosto, ele desmascara uma amiga pretensamente intelectual (mas que não passa de uma dondoca), dorme com uma mulher ruim de cama (mas boa em postar suas fotos nuas no Face), ajuda uma outra a comprar um vestido adequado para um velório (já que é mais um evento social), conhece uma freira meio gagá de 104 anos que é tratada como uma celebridade, assiste a aplicações de botox feitas por uma espécie de curandeiro do novo milênio e vê questões relacionadas à espiritualidade perderem o ibope para receitas gastronômicas. Ele, autor de um único livro que foi um estrondoso sucesso 40 anos antes, tem vontade de continuar escrevendo, mas sobre o quê? Para quem? Hoje vive de fazer entrevistas. A nova ficção, a literatura do ego.
Gambardella caminha, caminha, caminha. Circula pelo filme e pela vida. Onde estaria a grande beleza? Talvez na desilusão do primeiro e idealizado amor, que inaugura os desapontamentos que vêm depois. A certa altura, um amigo de Jep apresenta a nova esposa, uma mulher sem atrativos, e comenta que naquela noite eles irão jantar em casa, ver tevê juntos e depois dormir – e isso soa a Jep como uma façanha erótica e íntima destinada a poucos eleitos.
É preciso ter a chave para acessar a grande beleza guardada nos fundos das casas, por trás das paredes, nas frestas das janelas, nos silêncios das pessoas, nas perguntas sem respostas, no espanto de viver, na arte que emociona, no pequeno museu de afetividades de cada um. Tudo o que está aparente e acessível não passa de um grande cenário, uma grande produção, um grande elenco, uma grande trilha sonora – não descrevo apenas o filme em si, mas a vida que o filme conta, a nossa, hoje.
Uma bela obra cinematográfica à procura das grandezas diminutas onde o belo se esconde.
Numa Roma apresentada quase como se fosse uma ilusão de ótica – afinal, “é tudo um truque” –, o personagem chega aos 65 anos desprezando esse e outros ilusionismos, mas não perde o charme de dândi. Sem tirar o sorriso cínico do rosto, ele desmascara uma amiga pretensamente intelectual (mas que não passa de uma dondoca), dorme com uma mulher ruim de cama (mas boa em postar suas fotos nuas no Face), ajuda uma outra a comprar um vestido adequado para um velório (já que é mais um evento social), conhece uma freira meio gagá de 104 anos que é tratada como uma celebridade, assiste a aplicações de botox feitas por uma espécie de curandeiro do novo milênio e vê questões relacionadas à espiritualidade perderem o ibope para receitas gastronômicas. Ele, autor de um único livro que foi um estrondoso sucesso 40 anos antes, tem vontade de continuar escrevendo, mas sobre o quê? Para quem? Hoje vive de fazer entrevistas. A nova ficção, a literatura do ego.
Gambardella caminha, caminha, caminha. Circula pelo filme e pela vida. Onde estaria a grande beleza? Talvez na desilusão do primeiro e idealizado amor, que inaugura os desapontamentos que vêm depois. A certa altura, um amigo de Jep apresenta a nova esposa, uma mulher sem atrativos, e comenta que naquela noite eles irão jantar em casa, ver tevê juntos e depois dormir – e isso soa a Jep como uma façanha erótica e íntima destinada a poucos eleitos.
É preciso ter a chave para acessar a grande beleza guardada nos fundos das casas, por trás das paredes, nas frestas das janelas, nos silêncios das pessoas, nas perguntas sem respostas, no espanto de viver, na arte que emociona, no pequeno museu de afetividades de cada um. Tudo o que está aparente e acessível não passa de um grande cenário, uma grande produção, um grande elenco, uma grande trilha sonora – não descrevo apenas o filme em si, mas a vida que o filme conta, a nossa, hoje.
Uma bela obra cinematográfica à procura das grandezas diminutas onde o belo se esconde.
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