17
de janeiro de 2014 | N° 17676
DAVID
COIMBRA
Ajudando africanos
Outro
dia uma menina no fulgor dos seus vinte e poucos anos soprou um suspiro sabor
tutti frutti no meu nariz e desabafou:
– Minha
vida não está legal. Queria ir para a África, ajudar aquelas pessoas.
Fiquei
pensando. Ela pretendia resolver seu problema existencial ajudando os
necessitados. Interessante. É uma maneira caridosa de dar sentido à vida. Se
vai funcionar, se a vida dela ganhará sentido com a solidariedade, isso é outra
história. O que importa é a intenção.
E a
intenção dela não era ajudar qualquer necessitado, era ajudar africanos
necessitados. Miséria é miséria em qualquer canto, verdade, mas a miséria dos
africanos é ainda mais comovente, porque, afinal, eles são pretos e pobres, e
no mundo inteiro é ruim ser preto e pobre. Então, é muito nobre ajudar
africanos.
É mais
charmoso, também. Ajudar pessoas na Vila Cruzeiro é uma coisa; ajudar pessoas
na Somália, outra. Quem se interessaria pelos problemas da Vila Cruzeiro numa
mesa de bar da Cidade Baixa? Agora, vá falar da Somália, aquele lugar distante
e misterioso... Não há dúvida, ajudar os africanos tem suas recompensas, afora
as da consciência apascentada.
Em
todo caso, o que me interessou mesmo foi a forma que a garota encontrou de
sublimar sua própria vida: ela queria, de alguma maneira, ser importante para
os outros. Para alguém. O amor romântico exerce essa função. Não é por outro
motivo que os caminhoneiros mais rudes vertem lágrimas na boleia quando ouvem
Zezé di Camargo se esganiçar:
“É o
amor! Que faz eu lembrar de você e esquecer de mim!”.
Zezé
di Camargo, incrível!, definiu, senão o sentido da vida, a busca do sentido da
vida: lembrar de você e esquecer de mim. Você só achará sentido na vida se se
doar, seja para uma mulher de olhos tristes, seja para a tristeza da miséria
africana.
Veja
lá a Angelina e o Brad e tantos artistas ricos e famosos de Hollywood, veja o
Bono, o velho George Harrison, que não está mais entre nós, e muitos, muitos
outros célebres no mundo todo: eles, aparentemente, chegaram ao topo, mas, do
topo, olhando para baixo, sentem a necessidade de ajudar os outros, não raro os
pobres africanos, como a minha jovem amiga. A necessidade de dar. De se dar.
Os
outros. O mais importante são os outros. Quando é que vamos aprender isso?
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