sábado, 18 de janeiro de 2014


18 de janeiro de 2014 | N° 17677
NILSON SOUZA

O retorno de Evita

Livros, novamente os livros.

Recuperei o meu Santa Evita, que já considerava perdido. Quando li a extraordinária história de Tomás Eloy Martínez sobre a peregrinação do cadáver da primeira mulher de Juan Domingo Perón, fiquei tão empolgado, que resolvi compartilhá-la com outros leitores. E não é que encontrei um amigo argentino que sequer conhecia o livro? Fui logo dizendo:

– É imperdível! Não podes deixar de ler.

Por delicadeza, ele levou. Mas, como os jovens têm muitas outras atividades mais interessantes do que leituras longas, o livro ficou fechado por vários meses, possivelmente em alguma gaveta esquecida. Milagrosamente, porém, reapareceu na minha mesa de trabalho neste início de ano – a exemplo da própria personagem do inusitado relato, que ressurgia quando todos já a imaginavam definitivamente sepultada.

A volta de Santa Evita à minha modesta biblioteca me fez perceber outros desfalques na estante, todos de livros emprestados para NãoSeiQuem. Sou casado com uma bibliotecária, mas não sigo um dos preceitos básicos da profissão, que é o registro dos empréstimos. Na verdade, gosto tanto de compartilhar histórias que me deram prazer, que nem ligo muito para as perdas. Além disso, o livro é apenas a embalagem de um presente intransferível: o conteúdo fica para sempre com quem o leu.

Jamais vou esquecer as peripécias relatadas por Martínez em torno do corpo da mãe dos descamisados, que o embalsamador apaixonado transformara numa boneca encantada. Eva Perón morreu com 33 anos e sua imagem bela e sedutora ficou para sempre no coração dos argentinos. Sua morte foi tão singular quanto sua vida. O hábil romancista começa e termina o livro com a mesma frase instigante: “Ao acordar de um desmaio que durou mais de três dias, Evita teve por fim a certeza de que ia morrer”.

Quem resiste a um convite desses para leitura? Bem, talvez algum jovem argentino mais preocupado com a má fase do Boca Juniors. Mas essa Evita imortal, que viajou insepulta para a Itália e a Espanha antes de retornar triunfante para Buenos Aires, deve ter deixado o seu feitiço naquela gaveta.


Os livros inesquecíveis sempre deixam um rastro de magia por onde passam.

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