quarta-feira, 8 de janeiro de 2014


08 de janeiro de 2014 | N° 17667
PAULO SANT’ANA | MOISÉS MENDES- INTERINO

O pichador de Drummond

Esse empresário que pichou a estátua de Drummond no Rio e se apresentou à polícia na segunda-feira é uma pessoa normal. Pablo Lucas Faria tem 29 anos, produz eventos na cidade, mas tem o costume de pichar paredes, monumentos, estátuas.

O moço disse que se arrependeu do que fez, ao lado de uma menina que usou como ajudante. Foi liberado pelo delegado porque não é perigoso, não é bandido e não foi preso em flagrante.

Mas que estranhas figuras são esses pichadores que saem de casa com uma lata de spray para agredir Drummond? Que parafuso afrouxa na cabeça de um homem feito (não é um adolescente bobo) que pinta uma estátua como se estivesse cometendo um gesto excepcional de ousadia, criatividade ou valentia?

Há coisas intrigantes nesse tipo de gente. Até algumas décadas atrás, um homem de 29 anos, bem-apessoado, com atividade definida, que promove festas, como esse Pablo, não agrediria Drummond, nem Vinícius de Moraes, nem Tom Jobim. A pichação que afronta e destrói, em cidades de qualquer porte, é um fenômeno urbano relativamente recente, e não só de jovens sem noção. Esse Pablo é um sujeito quase trintão.

Por que atacar casinhas de gente humilde da periferia, como alguns atacam? Por que Drummond? Como Pablo convenceu a moça (ele é o pichador contumaz) a desfigurar o poeta? Que prazer sente um sujeito que lambuza de tinta uma estátua sem nenhuma representação política? Por que alguém, que poderia entrar no mar com a moça, leva a namorada para pichar o poeta? Estava indo à forra contra a poesia, a literatura, a arte, ou ofendendo o que não entende?

Pablo passaria num exame psicológico rigoroso como alguém sem deformações graves. Ele é a prova de que o rebaixamento geral de referências levará o mundo naturalmente à completa idiotia, sem que isso signifique alguma aberração. Não tem patologias, é bom filho, bom amigo. Você, que descobre uma nova pichação a cada dia em prédios e muros por onde passa, você sabe: em cada uma delas há a marca da idiotice consentida, que avança como parte de toda a normalidade.

Mas não aceite a conversa fiada de que a rebeldia niilista (esse trololó anos 70) explica as pichações de adolescentes e barbados. Rebata argumentos manjados de que os jovens transgridem contra tudo o que a cidade lhes nega. Não se sinta consolado por bobagens.

Esse Pablo, acredite, ouve música ruim, não lê nada, ignora vontades coletivas e só interage com quem o emburrece ainda mais. Ele se realimenta da impressão que causa em quem duela fazendo pichações. Que tipo de festa ele promove (esta é uma informação importante, que os repórteres nos sonegaram até agora)? É provável que esse bem-vestido e bem-nascido seja um dos disseminadores dos barulhos que atormentam as cidades.

Pichadores (não confundir com grafiteiros) deveriam ter um bom discurso para tentar explicar seus atos, mas são indivíduos incapazes de elaborar a reflexão mais primária sobre o que fazem. Não conseguem se socorrer nem mesmo de bordões sociológicos rasos.


O pichador é um sujeito sem retórica, porque não dispõe de ferramentas básicas para expressar a compreensão do seu lugar na cidade. Os pichadores adultos, barbados, encorpados, como esse Pablo, são os idiotizados pelo consumo de todo tipo de besteira do mundo. Não seja otimista. Esteja certo de que vai piorar.

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