12 de janeiro de 2014 | N° 17671
FABRÍCIO CARPINEJAR
O que
sofre o lavador de louça
Sou um lavador de louça contumaz: retiro manchas, elimino
riscos nos copos, realizo milagres com o Limpol e o Sapólio. A esponja e o
Bombril são extensões de minhas mãos. Não uso luvas ou água quente por uma
questão de caráter; recuso qualquer elemento que seja entendido como uma
vantagem.
Faz 30 anos que lavo por persuasão feminina, e já assimilei
os sofrimentos do ofício.
O pior não é lavar a louça, é terminar o serviço e a esposa
comentar que faltam as panelas. No campo de batalha do fogão, descobrir que
resta o triunvirato formado pela panela com o arroz queimado, a frigideira com
o molho de carne e a panela de pressão do feijão. Tudo o que lavou não
corresponde nem à metade do que cabe ainda lavar.
A notícia aniquila com sua boa vontade. Ao assumir o comando
da torneira e do detergente, o mínimo que deseja é visualizar o trabalho a ser
feito. Pretende ter a consciência exata do seu esforço. Não quer sofrer nenhum
contratempo. O surgimento de quinquilharias de última hora é o equivalente a
ser trapaceado na contagem doméstica.
Eu me sinto roubado. Eu me sinto traído pela casa. Eu me
percebo humilhado. Nada contra colaborar, o que me incomoda são os imprevistos.
Louça é para profissional. Requer planejamento. Não dá para
mudar as regras no meio do jogo. Acabo irritado com o despreparo dos
familiares, que nem se desculpam e soltam – com risinhos envergonhados – pires
e peças retardatárias na pia.
O pior não é lavar a louça, é lavar antes de servir o doce e
o café. Assim que decretar o descanso pousando a chaleira na toalha de crochê,
aparecerão pratinhos e xícaras para o segundo turno eleitoral da espuma.
O pior não é lavar a louça, é estender o pano de prato no
gancho e sua mulher decidir – porque é você que está com avental naquele dia! –
desovar todos os potinhos da comida na geladeira. Precisará dar conta de um
estoque completo da Tok&Stok.
O pior não é lavar a louça, é quando esfrega aquela fôrma do
assado, debruçado nas frinchas, suando frio, e a família lhe chama sem parar na
sala – você não escuta nada porque é impossível participar da conversa ao mesmo
tempo noutro lugar.
Mas o pior, o pior mesmo, não é lavar a louça, é secar a
louça. Coitado do secador, vice-prefeito da cozinha. Ninguém jamais lembra ou
agradece essa tarefa que pode ser exercida pelo vento.
carpinejar@terra.com.br
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