24 de janeiro de 2014 |
N° 17683
DAVID COIMBRA
Para sempre. Nunca mais.
Estou nos Estados Unidos. Uma
civilização calórica, definitivamente. Todo aquele bacon no café da manhã. Mas
não podia ser de outra forma. Aqui na cidade em que ora me repoltreio, Boston,
aqui faz um frio... Acho graça quando os gaúchos dizem que no Rio Grande do Sul
faz frio. No Rio Grande do Sul não faz frio; sente-se frio. No Norte-Nordeste
americano, sim, faz muito frio, mas você só sente frio se cometer temeridades
como a que cometi outra noite.
Tinha de ir a um lugar a cinco
minutos de caminhada do hotel em que me hospedo. Antes de sair, olhei para um
par de ceroulas que dormem na minha mala. Não sou homem de usar ceroulas, ah,
não, mas, lá fora, a cidade estava branca de neve. Capitulei, que às vezes o
mais sábio é capitular. Vesti as ceroulas e, sobre elas, calças jeans.
Mais uma camiseta dessas de
esquiador, bem quente, sobreposta por um ainda mais quente blusão de esquiador
e, por que não?, uma jaqueta quentíssima de esquiador. Uma meia. Duas meias.
Botas que comprei na Argentina, feitas de couro de orgulhoso boi portenho.
Luvas. E um gorro, obviamente de esquiador.
Mirei-me no espelho. Parecia um
mendigo, mas me sentia protegido. Ilusão. No primeiro dos cinco minutos a pé,
estava prestes a congelar. Dei uma corridinha, cheguei aonde tinha de chegar em
uns três minutos de dor. Duas horas depois, noite já fechada, empreendi o
caminho de volta. Cristo! Aqueles cinco minutos eram cinco horas. Meu nariz
começou a petrificar. Li em algum lugar que, sob temperaturas excessivamente
baixas, o nariz pode congelar e quebrar como um picolé espacial. Não queria que
meu nariz quebrasse. Isso não, oh, Deus!
O ar gelado entrava-me pelos
pulmões e esfriava-me os ossos, a alma e o coração. Talvez fosse bom eu,
finalmente, possuir um coração de gelo... Quando encontrei um bar, refugiei-me
no ar aquecido, sentei-me ao balcão e pedi um Bourbon. Caubói, é claro. Olhei
para os lados e vi os americanos comendo frituras, ingerindo calorias,
engordando debaixo de suas peles tatuadas, mas quentes.
Senti saudade do calor porto-alegrense,
das mulheres de saias diáfanas, do chope cremoso. Senti saudade também da
saborosa comida brasileira e de ouvir o som poético da última flor do Lácio,
inculta e bela. Saudade, ora, ora, e estou há tão pouco tempo aqui. Se morasse
nessas distâncias, quanta saudade não sentiria?
Por coincidência, quando vagava
nesses pensamentos, minha amiga Mariana Bertolucci mandou-me uma mensagem do
outro lado do Atlântico: “Que saudade da nossa antiga turma do Liliput”.
Lembrei-me então que, naquela época, em algum momento em que, por algum motivo,
ela nos negligenciou, eu lhe disse: “Mais tarde, vamos nos separar para sempre,
e tu vais sentir saudades”. Tantos anos depois, e minha profecia daquela noite
se cumpriu. Nos separamos para sempre, e ela sente saudade.
Para sempre. Nunca mais. As
pessoas não acreditam, mas a vida é cheia de para sempre e de nunca mais. Se
morasse aqui, quantos para sempre e nunca mais acrescentaria na minha vida?
Quantos estou acrescentando nesse instante, mesmo sem morar aqui? Pessoas que
vou perder e que vão me perder para sempre. Sentimentos que nunca mais
voltarão.
Pensar nisso me deu certa
melancolia. Olhei a neve lá fora. Estremeci. Pedi outro Bourbon. Caubói, é
claro.
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