sábado, 11 de janeiro de 2014


12 de janeiro de 2014 | N° 17671
PAULO SANT’ANA | MOISÉS MENDES (Interino)

Sarney e o arroz de cuxá

Os coronéis são tentadores. Imagine Sarney circulando pela casa-grande, cofiando o bigode e tratando os serviçais com aquela fidalguia delicada e literária. Ele é sedutor demais. Seria arriscado tomar um suco de murici na varanda com Sarney. Você pode se apaixonar pelo homem.

A filha do Sarney também tem um ar machadiano. A governadora Roseana é frágil como um bibelô, superou uma dúzia de doenças e cirurgias. Dizem que hipnotiza quem estiver por perto.

Os Sarney são a imagem do atraso do Maranhão. Aquele, dizem, é o Estado mais miserável do país por causa deles. Foi lá que os presos mandaram queimar ônibus e mataram uma menina de seis anos num dos ataques.

Degolaram três presidiários numa cadeia de São Luís. E noticiam que, nesse ambiente de horror, Roseana mandou comprar vinhos e espumantes, uísque escocês 12 anos, lagosta, caviar. Uma licitação do governo prevê gastar R$ 1,3 milhão em coisas finas.

Sarney é senador pelo Amapá, mas continua mandando no Maranhão. A dinastia dos Sarney nos oferece uma facilidade. Você tem em quem mirar, porque o atraso estaria representado em figuras públicas associadas ao coronelismo. O Maranhão é a imagem dos Sarney. E nós, aqui do Sul civilizado, ficamos tentados a observar tudo de longe e achar que estamos muitos degraus acima dessa civilização do século 19.

É uma percepção meio preguiçosa. Você sabe que matam, como mataram nos ônibus em São Luís e na cadeia lotada de presos, em qualquer lugar do Brasil. O que não tínhamos até agora eram as imagens da degola. Você sabe que o prefeito de uma cidade gaúcha quebrada mandou comprar um carro oficial por R$ 168 mil. Outros não compram lagosta congelada porque não têm o refinamento dos Sarney.

Matam com violência e por qualquer motivo, ou sem motivo mesmo, no Rio, em São Paulo, no Recife, em Salvador, nas cadeias e nas ruas. Imagine se o massacre paulista do Carandiru, com 111 mortos, tivesse acontecido em São Luís. E os arrastões do Rio. E a corrupção grossa, como essa que flagrou o grupo que superfaturava obras aqui no Estado. Imagine se fossem maranhenses esses empreiteiros que vinham ganhando milhões simulando o conserto de escolinhas das periferias.

O Maranhão, acredite, deve ter mais creches do que o Rio Grande do Sul. Mas os Sarney são o nosso consolo como patrocinadores do inferno. Nós, aqui do Sul, podemos olhar para o Maranhão como se olha do Ocidente para o mundo que não se decifra direito, dos árabes, dos africanos, da Sibéria. Acreditamos que nossos pontos de observação estão no alto.

Claro que não dá para romantizar o coronelismo. Não dá para sentar na mesa de jantar da casa-grande e se lambuzar no camarão de um arroz de cuxá na companhia dos Sarney e sair dali impunemente. Ou você se apaixona pelo coronel e sua filha, como Caetano Veloso se apaixonou um dia pelo coronel baiano ACM, ou produz uma tese sobre os atrasos do Brasil.


Tem degola em cadeia pra todo lado. Mas os bárbaros do Maranhão teatralizaram a brutalidade e a filmaram, sintonizados com os novos tempos da hegemonia da imagem. A barbárie também sabe usar a internet.

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