12 de janeiro de 2014 | N° 17671
MARTHA MEDEIROS
Comédia e tragédia
Eu estava no banheiro do shopping quando escutei duas
amigas conversando sobre o filme que haviam acabado de assistir. Uma disse: Li
no jornal que era uma comédia e vim disposta a gargalhar muito. A outra: Também
fui surpreendida, esperava outra coisa, não esse soco no estômago.
Estava na
cara que elas haviam assistido ao mesmo filme que eu, o impiedoso Álbum de
Família, que no roteiro de cinema de Zero Hora está anunciado realmente como
comédia, ainda que sejam 120 minutos de descontroles, rancores, humilhação,
traição, sarcasmo, agressão física e maquiavelices.
É um filmaço, como quase sempre é quando o cinema presta
reverência ao teatro: foi adaptado pelo dramaturgo Tracy Letts, autor da peça
homônima, e o diretor John Wells manteve na tela a dramaticidade dos palcos. Em
teatro, o exagero é natural, o tom costuma ser ligeiramente mais alto que o
naturalismo de uma novela de tevê. Teatro é uma espécie de laboratório da vida
e congrega todos os elementos que a ela pertencem.
Álbum de Família mostra o reencontro de três filhas com sua
mãe, depois que essa fica viúva, e mais os agregados e parentes próximos que
vieram para o funeral. Em poucos dias de convívio numa mansão decadente em Oklahoma,
diversos traumas e mágoas eclodem: cada um dos visitantes possui várias dores
entaladas na garganta, a ponto de, a certa altura, o espectador começar a achar
graça daquele desfile inesgotável de fraturas emocionais.
Família é sempre um prato cheio – e agridoce. Amor e ódio,
atração e rejeição, acolhimento e desprezo, idealizações e desilusões, carinho
e perversidade: um cardápio sortido de emoções contraditórias distribuídas
sobre a mesa. Em volta dela, nós, famintos por compreensão e tendo que ser
diplomáticos e civilizados até que uma provocação nos faça perder as
estribeiras.
A questão é que entre família não há divórcio. Não existe
ex-pai, ex-mãe, ex-filho, mesmo que se suma do mapa, mesmo que peguemos a
estrada para o mais longe possível. DNA é praga. Não tem rota de fuga. Nasceu,
está danado. Então, melhor condescender do que se estressar.
Há famílias mais serenas do que outras, mais afetuosas do
que cínicas, mais cinematográficas do que teatrais. Ainda assim, sempre haverá
um papel para cada um de seus membros: o de vilão, o de vítima, o de playboy, o
de trabalhador, o de folgado, o de frágil, o de problemático, todos apegados
aos motivos que os levaram a ser como são.
E eles se acusarão a vida inteira, e se defenderão, e nunca
haverá um consenso, e de nada adiantará tanto berro: de dramáticos passarão a
patéticos, inevitavelmente. A classificação que o jornal deu ao filme não está
tão errada como parece. Tragédia e comédia cedo ou tarde dão-se as mãos, elas
que também são da mesma família.
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