quarta-feira, 22 de janeiro de 2014


LUCIANO ALABARSE

Choro que acalma

Torquato Neto abriu o gás do banheiro e se matou aos 28 anos. Sua curta vida emoldura à perfeição o período em que florescem, paralelas e avassaladoras, a ditadura e a contracultura brasileiras. Guardo até hoje, como tesouro inegociável, uma cópia da primeira edição de Os Últimos Dias de Paupéria, sua obra testamento. O piauiense pertence à nobre linhagem dos que rebentam as fronteiras entre vida e arte.

Suas letras musicadas ainda hoje me perturbam. Só a admiração ilimitada que devoto à sua obra explica meu gesto de arrancar das mãos do Mauro Soares um inesperado Pra mim Chega, sua biografia nunca lida. Inveja digna do Iago do Shakespeare. Olhando como olharia uma criança impertinente e restabelecendo a ordem civilizatória, Mauro me obrigou a devolver o livro surrupiado, que sequer lhe pertencia. Zeca Kiechaloski, o dono legítimo, dias depois me mandou o exemplar, e eu o li como um dos melhores presentes que já ganhei na vida.

O autor Toninho Vaz nos conta algumas histórias preciosas. Sobre Cajuína, aquela do “existirmos – a que será que se destina?”, soube que Caetano a compôs logo após visitar o dr. Heli, pai de Torquato, em sua primeira visita a Teresina após o suicídio, e que foi ele quem deu ao baiano, colhida do jardim de sua casa, “a rosa pequenina” da letra inspirada. Seu Heli revela que Caetano chorou muito nesse encontro. Tantos anos depois, devorando a esgotadíssima biografia, eu também.

Chorei outra vez ao ler Miserere, novo livro de Adélia Prado. Logo no primeiro poema, a mineira avisa: “Cheiramos mal, a maioria, e sofremos de medo, todos”. Entre o terror e a piedade, elementos constitutivos da escritura trágica, Adélia escolhe somente o primeiro e, amalgamando maravilhamento e desconforto, nos mostra porque é hoje a voz mais poderosa da poesia brasileira. Apesar de ter certeza de que “é melhor ser alegre que ser triste”, gosto de chorar. Chorar me acalma.

Choro por bobagens e momentos relevantes, por amores que já partiram e pelos que ainda estão na batalha. Choro nos shows de Bethânia e também quando me bate saudade do Caio Fernando e da Elis. Chorei de emoção ao ler Fim, da Fernanda Torres, o melhor livro de estreia de um autor brasileiro em muitos anos. Já chorei até lendo Um Gato de Rua Chamado Bob e vendo o Félix dando show na novela das nove, que um bom melodrama tem em mim o seu valor e lugar.


Chorão assumido, “respeito muito minhas lágrimas mas ainda mais minha risada”. Ainda bem. Entre gargalhadas e lágrimas, cercado pelos meus amigos de teatro, consigo visualizar um mundo melhor. Zé Adão Barbosa, Dilmar Messias, os citados Mauro Soares e Zeca Kiechaloski, Marcelo Ádams, Arthur de Faria, Deborah Finocchiaro e Luiz Paulo Vasconcellos estão aí, inteiraços, a me provar que, sim, “a alegria é a prova dos nove”. Brava gente essa, sábia gente essa, a do teatro porto-alegrense. Fernando Zugno, Gustavo Susin e Pingo Alabarce estão aí e não me deixam mentir. Nem a parar de rir, o que é ainda melhor.

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