terça-feira, 14 de janeiro de 2014


14 de janeiro de 2014 | N° 17673
DAVID COIMBRA

A mulher mais linda do mundo

A única foto de mulher que guardei na carteira em toda a vida foi uma da Jacqueline Bisset. Nem foto original era, era um recorte de revista. Vez em quando sacava-o do bolso traseiro das calças e ficava contemplando a beleza serena e profunda de Jacqueline Bisset. Ela não estava sorrindo naquela foto, e na verdade Jacqueline Bisset pouco sorria e nunca, nunca gargalhava. Uma mulher com algo de triste no olhar. Mulheres algo tristes são comoventes. Elas parecem saber de alguma coisa que nós não sabemos e, em geral, sabem mesmo.

Jacqueline Bisset. Mulher de classe. Uma francesa típica, apesar de ser inglesa. Não sei o que fiz daquela pequena foto que por tanto tempo me acompanhou, não sei quando renunciei à contemplação dos olhos enigmáticos de Jacqueline Bisset, mas sei por que os fitava, sei por que levava comigo aquela imagem: para que, nos momentos difíceis da vida, soubesse que existe um mundo melhor, e, existindo um mundo melhor, imaginar que um dia eu podia passear por ele e sorver-lhe as delícias. Sim, eu poderia, por algum ardil da sorte, respirar o ar do mundo em que vivia Jacqueline Bisset, por que não?

Jacqueline Bisset. Nunca mais soube dela, até ontem. Li que ela ganhou o Globo de Ouro e, emocionada, ficou 20 segundos diante do microfone, com o troféu na mão, sem conseguir articular um muito obrigado sequer. Vinte segundos é uma vida nesse tempo de 4Gs – o discurso de Jacque foi cortado da transmissão da TV. Falta de consideração para com minha antiga musa.

Olhei para as fotos de Jacque no Globo de Ouro. Uma senhora de 69 anos, longe da exuberância da juventude, mas ainda com aquela dignidade imperial. Ainda Jacqueline Bisset.

Não guardaria mais uma foto dela na carteira, mas o reaparecimento de Jacqueline Bisset me deu alento nesses albores de 2014. Estava desconfiado deste janeiro. Soube que existem ralos de piscina assassinos, um perigo novo. Soube que telespectadores divergem sobre se personagens gays devem ou não se beijar na novela das 9, um debate velho, de opiniões velhas.

Soube que os presídios no Maranhão são desumanos, mas disso já sabia, presídios desumanos há no Brasil inteiro, inclusive aqui, no peito pulsante do Rio Grande. Soube que Grêmio e Inter estão em crise financeira, mas quando não estiveram? Não é sempre uma dificuldade administrar o futebol? Os clubes não estão sempre devendo? Isso não é assim há mais de cem anos?

Pensando bem, só os ralos assassinos é que são novidade em 2014. E a volta de Jacqueline Bisset, mesmo que perplexa em frente às câmeras, mesmo que já não tão gloriosa como nos tempos em que garotos suburbanos carregavam suas fotos pela vida, a volta de Jacqueline Bisset é a lembrança de que o mundo pode ser melhor, pode ser um mundo que aceite as diferenças, que trate com decência até os pretos e pobres dos fundos das cadeias, que cuide dos pormenores da segurança das crianças.


O mundo pode ser melhor. Que gremistas, colorados e alheios ao futebol saibam disso. O mundo pode ser belo como o os olhos azuis de mar de uma deusa distante, uma deusa que sabe coisas que você jamais poderá saber.

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