20 de janeiro de 2014 |
N° 17679
L. F. VERISSIMO
Outra carta da Dorinha
Recebo outra carta da ravissante
Dora Avante. Dorinha, como se sabe, não revela sua idade para ninguém, só diz
que não é verdade que já viu o cometa Halley passar duas vezes.
À frente do seu grupo de pressão
política e carteado, as Socialaites Socialistas, que lutam pela implantação no
Brasil do comunismo soviético na sua última etapa, a da volta ao czarismo,
Dorinha se mantém ocupada o ano inteiro, o que não a impede de fazer a coisa
que mais gosta, pelo menos entre as publicáveis: viajar.
Ela ainda se lembra do tempo em
que mandava fazer vestido especialmente para andar de avião, e todos os seus
maridos só viajavam de paletó e gravata, e em viagem você só encontrava
contribuintes da mesma categoria tributária que você, ou pelo menos do mesmo
grau de sonegação, enquanto hoje...
Mas deixemos que a própria
Dorinha faça a sua queixa. Sua carta veio, como sempre, escrita com tinta
turquesa em papel lilás, cheirando a “Mange moi”, um perfume recentemente
denunciado pelo papa Francisco para agradar à ala conservadora da Igreja.
“Caríssimo! Roto-beijos! Bons
tempos em que a gente viajava não para alargar nossos horizontes culturais, mas
para, na volta, dar inveja nos que não podiam. Me lembro do tempo em que não se
encontravam brasileiros nem em Miami. Encontravam-se muitos cubanos, é verdade.
Se por alguma razão você exclamasse “Jesus!” na rua, sempre tinha um por perto
que respondia “Sí?”.
Mas os cubanos eram simpáticos, e
todos anticastristas, o que me enternecia a ponto de levar vários para a cama.
Hoje Miami é um subúrbio do Brasil, e Orlando sua colônia de férias. Já tive a
experiência de viajar para a Flórida num avião cheio de ruidosas crianças
brasileiras a caminho da Disney World, o que só reforçou minha convicção de que
Herodes foi um incompreendido.
Na Europa, também era raro se
encontrar alguém falando português, inclusive em Portugal. Lembro que um dos
meus maridos brasileiros, cujo nome me escapa no momento, insistiu em visitar
sua conta na Suíça (era um sentimental) e descobriu que o banco o identificava
como “El mexicano”. Na época, nem corrupto nacional era reconhecido. Hoje você
não pode andar na rua em Paris ou Londres sem ouvir português por todos os
lados.
Você não pode, principalmente,
falar mal do grupo na mesa ao seu lado porque é quase certo que sejam de
Presidente Prudente e estejam entendendo tudo. Você sabe que eu sou uma
democrata e até já dei jantar pro Lula – não com a louça boa, claro – mas é
preciso haver um limite! Que graça tem chegar de viagem e contar o que eu vi
para minha diarista e ela dizer que a catedral de Chartres é bonita mas não se
compara ao Taj Mahal? Assim, decididamente, não dá. Da tua lamurienta Dorinha.”
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