26 de janeiro de 2014 | N° 17685
FABRÍCIO CARPINEJAR
Mendigo do amor
Até que ponto é possível amar sem ser amado?
Quando amamos platonicamente, o amor pode durar muito tempo.
Pois não tem ninguém para estragar nossa idealização. Não há convivência para
nos desafiar. É uma paixão estanque, feita de sonho e névoa. É uma vontade
desligada da realidade. Temos a expectativa intacta, longe de contratempos.
Acordamos e dormimos com o mesmo sentimento, longe de interrupção em nossa
fantasia.
Mas quando amamos dentro de um casamento e quem nos
acompanha não retribui o amor? Quanto tempo dura? Quanto tempo você suporta a
secura, o desaforo, a grosseria? Quantos meses, se cada dia é um ano?
Nem estou falando de falta de sexo, mas a falta de beijo, de
abraço, da telepatia rumorosa, do colo, de perceber seus cabelos sendo
penteados pelas mãos, de ver seu rosto encarado de forma única e brilhante. Nem
estou falando da falta de aventura, mas do conforto protetor, da cumplicidade,
do afago que é viver com a certeza de que é admirado. Nem estou falando da
falta de viagens, mas do mínimo da rotina apaixonada, ser cuidado mesmo quando
está distraído. Não estou falando de arroubos e arrebatamentos, mas da vontade
boa de morder seus lábios levemente quando suspira e de esperar o final de
semana como um feriado.
Quanto tempo dura o amor sem retorno, sem reconhecimento?
Talvez pouco, quase nada. Quem não se sente amado não é
capaz de amar. Não é problema de carência, é questão de tortura.
Extravia-se a cintilação dos olhos. Ocorre um bloqueio, uma
desesperança, uma resignação violenta. É como dançar valsa sozinho, é como
dançar tango sozinho. É abraçar pateticamente o invisível e não ter o outro
corpo para garantir seu equilíbrio.
Você se verá um mendigo em sua própria casa, diminuído,
triste, desvalorizado, esmolando ternura e atenção. Aquilo que antes parecia
natural – a doação, a entrega, a alegria de falar e de se descobrir – será raro
e inacessível. Todo o corredor torna-se pedágio da hostilidade. Passará a
evitar os cômodos para não brigar, passará a evitar certos horários para se
encontrar com sua esposa ou marido, passará a prolongar os períodos na rua,
passará apenas a passar. Combaterá as discussões e gritarias anulando sua
personalidade. Despovoará a sua herança, assumirá o condomínio do deslugar.
Comerá de pé para evitar o silêncio insuportável entre os dois.
Quer um maior mendigo do que aquele que dorme no sofá em sua
residência? Com um cobertorzinho emprestado e com a claridade das janelas
violentando os segredos?
Por ausência de gentileza, perdemos romances. O que todos
desejam é alguém que diga: não vou desperdiçar a chance de lhe amar. Alguém que
não canse das promessas, que não sucumba ao egoísmo do pensamento, que tenha
mais necessidade do que razão.
A gentileza é tão fácil. É fazer uma comida de surpresa, é
convidar a um cinema de imprevisto, é pedir uma conversa séria para apenas se
declarar, é comprar uma lembrancinha, é chamar para um banho junto, é oferecer
massagem nos pés, é perguntar se está bem e se precisa de alguma coisa, é
tentar diminuir a preocupação do outro com frases de incentivo.
Quando o amor para de um dos lados, o relógio intelectual
morre. Não se vive desprovido de gentileza. A gentileza é o amor em movimento
Nenhum comentário:
Postar um comentário