08
de janeiro de 2014 | N° 17667
MARTHA
MEDEIROS
Na dúvida, não ultrapasse
Basta
alguém mencionar a expressão “on the road” para nos seduzir. Cair na estrada?
Nem é preciso chamar duas vezes, convite aceito. Lá vamos nós de mochila, boné e
óculos escuros, em boa companhia, escutando música vibrante e com um enorme
mapa nas mãos – sim, de papel, nada de GPS e aplicativos, onde fica o romantismo
das velhas aventuras?
Sempre
fui fascinada por estradas. As que atravessam cordilheiras, as que cruzam
desertos, as que se avizinham de plantações, as que costeiam o mar, as que
passam em meio a pequenos vilarejos, as de terra, as asfaltadas, as estreitas,
as desafiadoras, as que parecem que vão dar em lugar nenhum – mas sempre dão.
Estrada
é movimento, liberdade, beleza, poesia. Sem falar no erotismo que ela insinua –
não sei se por causa das curvas ou do quê.
Estamos
na temporada mais festejada do ano: sol, praia, férias, e elas, as estradas. Mas
corta! Onde estão o cenário, as cenas de filme, o charme? Estamos falando de BR-101,
BR-116, RS-040 e demais vias lotadas de veranistas afoitos e caminhoneiros
cansados, de carros velozes e de outros que já deveriam ter sido aposentados,
de gente que corre demais e que, na dúvida, aí mesmo é que ultrapassa. Dã.
Lembro
de escutar uma história sobre um cara que, ao ver um carro se aproximando na
pista contrária bem no momento em que ele estava ultrapassando, em vez de
recuar, acelerava ainda mais, enquanto berrava para quem vinha: “Vai se ferrar,
vai se ferrar!!” (o verbo não era exatamente ferrar).
Muito
engraçado. Mas eu não gostaria de pegar uma carona nessa piada.
Não
importa quem é o imprudente, se o motorista de lá ou de cá, se quem vem ou quem
vai, se quem é defensivo ou agressivo: basta um deslize e todos se ferram. Todos.
Um pneu que estoura de repente, um irresponsável que bebeu antes de dirigir, um
alucinado que pisa fundo para homenagear o Schumacher, um impulsivo que toma
decisões sem pensar, um ansioso que não tolera perder 10 minutos e segue pelo
acostamento, um que acredita que os outros motoristas têm bola de cristal e por
isso não vê necessidade de acionar o pisca-pisca, outro que mal distingue se o
carro que está 50 metros à frente está indo ou vindo.
Estrada
é movimento, liberdade, beleza e poesia – mas quando vazia, quando estamos em
locais onde a sinalização é espetacular e o asfalto parece um tapete, quando não
há pressa em chegar, quando não há fluxo intenso, quando não prevalece a
cultura da superpotência em quatro rodas, quando estamos a passeio, e não
armados para uma guerra. Não na temporada de férias num país onde a imprudência
ganha as manchetes dos jornais toda segunda-feira de manhã, depois das
ultrapassagens arriscadas do final de semana.
Pegar
a estrada é eletrizante, com certeza. Mas, motoristas, duvidem mais.
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