SAMUEL PESSÔA
Crescimento, fenômeno institucional
Um marco institucional que não alinhe o retorno privado ao
social dificulta o crescimento econômico
Três fatores são responsáveis pela diferença de
produtividade do trabalho entre o Brasil e as economias de desenvolvimento
econômico elevado: escolaridade da mão de obra, oferta de infraestrutura física
e qualidade do marco institucional, jurídico e legal. São questões que já
abordei neste espaço.
O último fator é o mais complexo e, em certa medida, o mais
importante, pois determina parcialmente os demais.
O marco institucional, jurídico e legal --ou, para
simplificar, as instituições-- é o conjunto de normas formais e informais,
incluindo toda a legislação, que estabelece as regras do jogo econômico em uma
sociedade.
Toda ação de uma pessoa produz para ela um retorno econômico
(isto é, a renda deduzida dos custos), chamado de retorno privado, que não
necessariamente é igual ao retorno para a sociedade dessa mesma ação.
Instituições ótimas são aquelas que induzem que os retornos
privados, que resultam das ações dos indivíduos, aproximem-se dos retornos
sociais. Um marco institucional que não promova esse alinhamento dificulta o
crescimento econômico.
Toda vez que as instituições permitem diversas maneiras de
gerar renda a indivíduos, sem que esta seja a contrapartida da criação de
alguma produção para a sociedade, a economia apresenta problemas de desempenho.
Por exemplo, se, para uma empresa, for mais rentável criar
um escritório em Brasília, para brigar por uma isenção de imposto ou por uma
alíquota maior de importação, do que investir em inovação tecnológica, a
economia sofrerá por causa disso.
A atividade de inovação tecnológica aumenta a renda da
economia como um todo, enquanto a atividade de criar uma isenção tributária ou
uma alíquota maior de tarifa de importação somente transfere renda dos
contribuintes ou dos consumidores ao fabricante.
Toda vez que algum grupo da sociedade consegue pressionar o
Congresso Nacional para criar uma isenção de algum tributo ou uma transferência
de renda para si, gera-se um retorno privado sem que haja um retorno
equivalente para a sociedade. Nessa situação, a eficiência econômica se reduz.
Há inúmeras situações nas quais critérios de equidade social
justificam uma redução da eficiência econômica. Esse é o caso, por exemplo, dos
benefícios da Loas (Lei Orgânica da Assistência Social), que instituiu a
aposentadoria rural não contributiva.
O mesmo pode ser afirmado do Bolsa Família, mas esse
programa específico, em razão dos efeitos benéficos sobre a melhora da escolaridade
das crianças das famílias assistidas, deve, na verdade, elevar a eficiência
econômica. Ou seja, o Bolsa Família provavelmente alinha o interesse da
sociedade, que as crianças tenham uma boa educação, com os interesses das
famílias de ter condições melhores para conseguir prover essa melhor educação.
O grande problema é que a afirmação "em grande medida o
crescimento econômico depende de um marco institucional que alinhe os retornos
privados das ações dos agentes econômicos aos retornos sociais" é de difícil
aplicação prática.
Há várias formas de institucionalizar uma economia de
mercado. Países anglo-saxões preferem um Estado leve e muito espaço para o
setor privado e não gostam de muito seguro social. Já as economias do leste
asiático favorecem um Estado que intervém muito na economia, mas também não são
entusiastas do seguro social. Finalmente as sociedades da Europa continental
apreciam muita intervenção estatal na economia além de muito seguro social.
Não existe fórmula única e, para tornar tudo muito mais
complicado, a construção institucional tem que ser local e compatível com as
crenças de cada sociedade.
Até 2008 caminhávamos para uma construção própria, em que
teríamos menos intervenção esta- tal direta na economia e muito seguro social.
O desvio de rota a partir de 2009 recolocou a agenda da
forte intervenção direta do Estado no espaço econômico, como ocorre, por
exemplo, nas sociedades asiáticas. Infelizmente nosso setor público não tem as
qualidades do setor público asiático. O crescimento econômico despencou.
SAMUEL PESSÔA é doutor em economia e pesquisador
associado do Instituto Brasileiro de Economia da FGV. Escreve aos domingos
nesta coluna.
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