domingo, 19 de janeiro de 2014

SAMUEL PESSÔA

Crescimento, fenômeno institucional

Um marco institucional que não alinhe o retorno privado ao social dificulta o crescimento econômico

Três fatores são responsáveis pela diferença de produtividade do trabalho entre o Brasil e as economias de desenvolvimento econômico elevado: escolaridade da mão de obra, oferta de infraestrutura física e qualidade do marco institucional, jurídico e legal. São questões que já abordei neste espaço.

O último fator é o mais complexo e, em certa medida, o mais importante, pois determina parcialmente os demais.

O marco institucional, jurídico e legal --ou, para simplificar, as instituições-- é o conjunto de normas formais e informais, incluindo toda a legislação, que estabelece as regras do jogo econômico em uma sociedade.

Toda ação de uma pessoa produz para ela um retorno econômico (isto é, a renda deduzida dos custos), chamado de retorno privado, que não necessariamente é igual ao retorno para a sociedade dessa mesma ação.

Instituições ótimas são aquelas que induzem que os retornos privados, que resultam das ações dos indivíduos, aproximem-se dos retornos sociais. Um marco institucional que não promova esse alinhamento dificulta o crescimento econômico.

Toda vez que as instituições permitem diversas maneiras de gerar renda a indivíduos, sem que esta seja a contrapartida da criação de alguma produção para a sociedade, a economia apresenta problemas de desempenho.

Por exemplo, se, para uma empresa, for mais rentável criar um escritório em Brasília, para brigar por uma isenção de imposto ou por uma alíquota maior de importação, do que investir em inovação tecnológica, a economia sofrerá por causa disso.

A atividade de inovação tecnológica aumenta a renda da economia como um todo, enquanto a atividade de criar uma isenção tributária ou uma alíquota maior de tarifa de importação somente transfere renda dos contribuintes ou dos consumidores ao fabricante.

Toda vez que algum grupo da sociedade consegue pressionar o Congresso Nacional para criar uma isenção de algum tributo ou uma transferência de renda para si, gera-se um retorno privado sem que haja um retorno equivalente para a sociedade. Nessa situação, a eficiência econômica se reduz.

Há inúmeras situações nas quais critérios de equidade social justificam uma redução da eficiência econômica. Esse é o caso, por exemplo, dos benefícios da Loas (Lei Orgânica da Assistência Social), que instituiu a aposentadoria rural não contributiva.

O mesmo pode ser afirmado do Bolsa Família, mas esse programa específico, em razão dos efeitos benéficos sobre a melhora da escolaridade das crianças das famílias assistidas, deve, na verdade, elevar a eficiência econômica. Ou seja, o Bolsa Família provavelmente alinha o interesse da sociedade, que as crianças tenham uma boa educação, com os interesses das famílias de ter condições melhores para conseguir prover essa melhor educação.

O grande problema é que a afirmação "em grande medida o crescimento econômico depende de um marco institucional que alinhe os retornos privados das ações dos agentes econômicos aos retornos sociais" é de difícil aplicação prática.

Há várias formas de institucionalizar uma economia de mercado. Países anglo-saxões preferem um Estado leve e muito espaço para o setor privado e não gostam de muito seguro social. Já as economias do leste asiático favorecem um Estado que intervém muito na economia, mas também não são entusiastas do seguro social. Finalmente as sociedades da Europa continental apreciam muita intervenção estatal na economia além de muito seguro social.

Não existe fórmula única e, para tornar tudo muito mais complicado, a construção institucional tem que ser local e compatível com as crenças de cada sociedade.

Até 2008 caminhávamos para uma construção própria, em que teríamos menos intervenção esta- tal direta na economia e muito seguro social.

O desvio de rota a partir de 2009 recolocou a agenda da forte intervenção direta do Estado no espaço econômico, como ocorre, por exemplo, nas sociedades asiáticas. Infelizmente nosso setor público não tem as qualidades do setor público asiático. O crescimento econômico despencou.


SAMUEL PESSÔA é doutor em economia e pesquisador associado do Instituto Brasileiro de Economia da FGV. Escreve aos domingos nesta coluna.

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