13 de janeiro de 2014 | N° 17672
MARANHÃO EM COLAPSO
Uma
incursão ao império dos Sarney
A insegurança que tomou cidades do Maranhão é apenas um dos
problemas enfrentados no Estado comandado pela família Sarney. A hegemonia
política verificada há quase 50 anos coincide com números chocantes: altos
índices de mortalidade infantil, pobreza extrema e analfabetismo.
Zero Hora circulou pela região metropolitana da capital, São
Luís, para compor um
retrato da região.
O Maranhão é outro país: um enclave dominado por uma
oligarquia que se perpetua no poder há cinco décadas, cujo nome está impresso
em toda parte. Decifrar esse território é percorrer vielas cravejadas de
casebres, estradas cobertas de pó e áreas invadidas, com esgoto a céu aberto e
um traficante em cada esquina. Esse outro Brasil, onde a miséria é a regra,
ganhou as manchetes desde que uma onda de violência ultrapassou os muros do
Complexo Penitenciário de Pedrinhas, em São Luís. O país assistiu a cenas de decapitação
em celas superlotadas e, do lado de fora, viu ônibus serem incendiados. Um dos
ataques resultou na morte de Ana Clara Santos Souza, seis anos.
O local do atentado, ironicamente, chama-se Vila Sarney
Filho. Fica em São José de Ribamar, na Região Metropolitana, e é um retrato do
Maranhão. A comunidade ainda tenta superar o trauma.
– Meu tio, pai da Ana Clara, está em choque. E o pior é que
os bandidos que fizeram isso com a gente são conhecidos. Moram aqui – desabafa
a prima Erica Castro, 19 anos.
A barbárie chamou a atenção de organismos internacionais,
mas, para quem vive no Estado, não é novidade. Há anos, os moradores
testemunham o que as estatísticas evidenciam. De 2000 a 2010, a taxa de
homicídios no Estado cresceu 273%, segundo o economista Daniel Cerqueira, do
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Trata-se do segundo maior
índice do Brasil, atrás da Bahia – o Rio Grande do Sul está em 11º lugar.
O colapso da segurança pública não vem sozinho. Está
relacionado a outros números, igualmente negativos. São as marcas dos 48 anos
de hegemonia política da família Sarney. Um reinado que começou em 1966, quando
José Ribamar Ferreira de Araújo Costa, então com 35 anos, assumiu pela primeira
vez o governo estadual. Filho do desembargador Sarney Costa, que batiza o Fórum
em São Luís (com direito a estátua e tudo), decidiu adotar o nome do pai no
sobrenome. Funcionou. Político jovem, letrado, conhecido no meio intelectual,
José Sarney – hoje senador pelo Amapá, aos 83 anos – apostou no discurso da
modernização. Foi apoiado pelos militares, que queriam substituir antigos
caciques.
– Sarney prometeu acabar com as oligarquias e usou o slogan
“Maranhão Novo” na campanha. Foi beneficiado pela ditadura porque, além de não
ter oposição, contava com os investimentos federais em obras faraônicas no
Nordeste – diz o historiador Wagner Cabral da Costa.
O líder político se tornou um homem com influência no
governo federal, característica que aprimorou ao longo dos anos,
independentemente do partido do presidente eleito. E, ao mesmo tempo, formou
uma rede de apoiadores nas prefeituras do Interior, que garantiam votos em
troca de recursos. Assim surgiu o sarneysmo.
Deu tão certo que, desde 1966, o clã e seus aliados venceram
quase todas as eleições para governador – exceto duas. Sarney percebeu a
derrocada da ditadura, aproximou-se do MDB e, com a morte de Tancredo Neves,
chegou à presidência da República. Durante todos esses anos, ergueu um império
midiático no Nordeste, incluindo uma afiliada da TV Globo.
Agora, a herdeira de Sarney, Roseana, vive um inferno
astral. Depois de dizer que “o Maranhão está mais violento porque está mais
rico”, a governadora virou motivo de piada. O Estado lidera a pobreza extrema
no país. Estima-se que 12,9% da população sobreviva com até R$ 70 por mês. Das
217 cidades maranhenses, 72,8% têm um Índice de Desenvolvimento Humano
Municipal (IDHM) considerado baixo ou muito baixo, sem contar as altas taxas de
mortalidade infantil (veja quadro na página ao lado).
– Enquanto a família Sarney come camarão e lagosta, o povo
passa fome – resume o jornalista Gutemberg Bogea, 46 anos, do Jornal Pequeno,
um dos poucos a fazer oposição.
JULIANA.BUBLITZ@ZEROHORA.COM.BR | JULIANA
BUBLITZ/SÃO LUÍS (MA)
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