23 de janeiro de 2014 | N° 17682
L. F. VERISSIMO | L.F. VERISSIMO
A
beleza maior
A beleza da Itália conspira contra os seus cineastas. Por
mais dramáticos que sejam os filmes, eles serão sempre, antes de qualquer outra
coisa, belos folhetos turísticos. E, por mais que tentem retratar a crise moral
do nosso tempo, sempre acabam retratando um estilo de vida invejável, uma doce
crise.
Você saía do filme seminal do Fellini sobre Roma como
metáfora para o apocalipse iminente menos impressionado com a devassidão e o
desespero dos seus personagens do que com o alegre rebuliço de um começo de noite
na Via Veneto, e quem não queria ser Marcello Mastroianni, descrente de tudo
mas comendo todas?
Os filmes do Antonioni também se esforçavam para nos dar
angústia, mas nunca o vazio existencial foi tão fotogênico. Você não duvidava
de que os personagens de Antonioni em filmes como A Aventura, Noite e Eclipse
sofressem com a falta de sentido da vida, mas todos pareciam saídos de uma
edição da Vogue. Eram elegantemente perdidos. E que cenários!
No filme A Grande Beleza, o diretor Paolo Sorrentino nem finge
ignorar os cenários contra os quais desfilam seus personagens. Usa Roma,
conscientemente, como personagem também. Convoca o cenário como cúmplice nas
suas histórias cruzadas. E usar a beleza de Roma assim, descaradamente, é
covardia. A sequência final de A Grande Beleza é a câmera passeando sob as
pontes do Tevere enquanto aparecem os créditos, e no dia em que vimos o filme
muita gente que normalmente já teria saído do cinema ficou no lugar para se
deliciar um pouco mais com o cenário.
O personagem principal do filme, Jep Gambardella (vivido por
Toni Servilho, com sua cara de nobre romano num afresco mal pintado) é o
Marcello Mastroianni depois de A Doce Vida, em estado de cinismo terminal. É um
escritor de um livro só, e diz para quem lhe cobra outro livro que está
esperando uma “grande beleza” para inspirá-lo.
Enquanto isto, vai curtindo, além dos prazeres da
decadência, as pequenas belezas de um cotidiano romano. Mas a beleza maior é a
própria Roma, que, se não inspira o personagem, certamente inspirou o diretor.
O maior defeito do filme é a sua duração. Pode-se imaginar
Sorrentino agoniado com a perspectiva de ter que cortar algo que filmou e no
fim decidindo incluir tudo, dane-se a metragem. Você sabe que um filme passou
da hora de acabar quando começa a pensar “poderia terminar aí...” – e o filme
não termina.
Nenhum comentário:
Postar um comentário