27 de janeiro de 2014 |
N° 17686
L. F. VERISSIMO
Xópis
Não foram os americanos que
inventaram o shopping center. Seus antecedentes diretos são as galerias de
comércio de Leeds, na Inglaterra, e as passagens de Paris pelas quais flanava,
encantado, o Walter Benjamin. Ou, se você quiser ir mais longe, os bazares do
Oriente.
Mas foram os americanos que aperfeiçoaram a ideia de cidades fechadas
e controladas, à prova de poluição, pedintes, automóveis, variações climáticas
e todos os outros inconvenientes da rua. Cidades só de calçadas, onde nunca
chove, neva ou venta, dedicadas exclusivamente às compras e ao lazer – enfim,
pequenos (ou enormes) templos de consumo e conforto. Os xópis são civilizações
à parte, cuja existência e o sucesso dependem, acima de tudo, de não serem
invadidas pelos males da rua.
Dentro dos xópis você pode
lamentar a padronização de lojas e grifes, que são as mesmas em todos, e a
sensação de estar num ambiente artificial longe do mundo real, mas não pode
deixar de reconhecer que, se a americanização do planeta teve seu lado bom, foi
a criação desses bazares modernos, estes centros de conveniências com que o
Primeiro Mundo – ou pelo menos uma ilusão de Primeiro Mundo – se espraia pelo
mundo todo.
Os xópis não são exclusivos,
qualquer um pode entrar num xópi nem que seja só para fugir do calor, ou flanar
entre as suas vitrines, mas a apreensão causada por essas manifestações de
massa nas suas calçadas protegidas, os rolezinhos, soa como privilégio
ameaçado. De um jeito ou de outro, a invasão planejada de xópis tem algo de
dessacralização. É a rua se infiltrando no falso Primeiro Mundo. A perigosa
rua, que vai acabar estragando a ilusão. As invasões podem ser passageiras ou
podem descambar para violência e saques.
Você pode considerar que elas são
contra tudo o que os templos de consumo representam ou pode vê-las como o
ataque de outra civilização à parte, a da irmandade da internet, à civilização
dos xópis. No caso, seria o choque de duas potências parecidas, na medida em
que as duas pertencem a um Primeiro Mundo de mentira que não tem muito a ver
com a nossa realidade. O difícil seria escolher para qual das duas torcer. Eu
ficaria com a mentira dos xópis.
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