segunda-feira, 27 de janeiro de 2014


27 de janeiro de 2014 | N° 17686
 LIBERATO VIEIRA DA CUNHA

A Ideia do Belo

As pessoas por vezes fazem perguntas estranhas. A mim já indagaram, num Instituto de Letras, se me agrada a aliteração, que conceito tenho da paranomásia, se sou ligado numa elipse, o que tenho a dizer sobre zeugmas, hipérbatos, anástrofes. Tudo isso, é claro que você sabe, são figuras de linguagem e de sintaxe respeitáveis, certamente probas, ouso dizer até, em alguns casos, tão sedutoras como um assíndeto, uma anáfora, uma silepse.

Mas as línguas que falamos são em geral mais expressivas do que os apelidos das combinações de palavras que contêm. Estava uma vez em Roma quando fui atraído pelo anúncio de uma mostra. O Palazzo delle Esposizioni me convidava, em imensos banners, para dar uma olhada em algo chamado A Ideia do Belo, bem assim, em português, dentre uma torrente de outros idiomas.

Imaginei qualquer coisa de incrivelmente abstrato, hermético, impenetrável feito um poema em sânscrito. Mas como me pareceu um bom contraponto para a luz de primavera reinante ali em plena Via Nazionale, resolvi dar uma espiada.

Foi todo um deslumbramento. Naqueles imensos salões de herança renascentista haviam reunido três mil anos de arte. Mármores, telas, tons, textos, filmes, peças cuja mensagem rompia todos os limiares das idades ofereciam um espetáculo que tocava direto o coração. Pensei, naquelas horas de encantamento, que estava diante da síntese perfeita de tudo quanto aprendera em distantes aulas de Teoria da Estética, no Clássico do Colégio Anchieta, que era um curso que a gente tirava para interpretar o mundo, antes de nos deformarmos na faculdade.

A guia era outro deslumbramento. Tinha essa beleza também clássica que só floresceu na Grécia e no Lácio e que servira de modelo para tantas das esculturas ao meu redor. Eu a chamei de La Romana, como no livro de Alberto Moravia. Convidei La Romana para que vivêssemos os dois naquele palácio pelos séculos dos séculos, mas ela se limitou a sorrir. Perguntei-lhe então por que algo de tão incrivelmente concreto como aquela exposição se chamava somente A Ideia do Belo. Ela explicou que era apenas uma metáfora.

E nesse momento eu entendi o que era sinestesia, antítese, eufemismo, assonância, polissíndeto e todas aquelas milhares de figuras de linguagem que interessavam tanto as alunas do Instituto de Letras, nenhuma delas nem remotamente parecida com o esplendor de La Romana.

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