segunda-feira, 20 de janeiro de 2014


20 de janeiro de 2014 | N° 17679
LIBERATO VIEIRA DA CUNHA

Gardel e Piazzolla

Se não for demasiado atrevimento, ouso supor que pelo menos aqui na minha quadra sou o cronista de jornal que mais escreveu sobre tango. Trata-se daquele gênero musical que Borges descreveu como “uma forma de caminhar pela vida” e Discépolo definiu como “um pensamento triste que se baila”.

A constatação me volta depois de ler esse excelente livro que é Os Argentinos, de Ariel Palacios. Sucede que, a páginas tantas, o autor recupera em detalhes, engenho e arte a breve convivência de Carlos Gardel com Astor Piazzolla, ou seja, um diálogo entre o maior criador e intérprete de todo um cânone de canções e o então garoto que viria a ser o reformador de uma estética.

Entre 1933 e 1935, Gardel consolidava uma carreira internacional, graças, em grande parte, a uma patrocinadora americana, absolutamente encantada com aquele latin lover. A dama não é citada na obra de Palacios, mas nenhum livro precisa ser enciclopédico. O certo é que filmou em Nova York Cuesta Abajo, Mi Buenos Aires Querido e Tango em Broadway e, depois de uma derradeira visita a Paris, El Dia que me Quieras e Tango Bar.

Foi quando de sua última estada na Big Apple que um garoto de 13 anos, Astor, foi conhecê-lo, com um convite para experimentar raviólis em sua casa, no Village. O cantor ficou encantado pelo menino que tocava bandoneón e falava perfeitamente inglês e espanhol e o nomeou seu guia, em especial nas cantinas italianas, pois era um excelente garfo. Deu-lhe ainda oportunidade de uma ponta em El Dia que me Quieras, como jornaleiro em uma rua de Buenos Aires recriada em um estúdio de Manhattan. Fez mais: convidou-o para participar de sua trupe em uma turnê que faria pelo México, América Central, Venezuela e Colômbia, mas o pai de Astor se opôs, pois o filho teria de deixar a escola.

Fez bem.

No dia 25 de junho de 1935, no aeroporto de Medellín, o avião que transportava Gardel e sua equipe, dentre eles o brasileiro Alfredo Le Pera, seu grande letrista, deu subitamente uma guinada à direita quando corria na pista para decolar e chocou-se contra outro aparelho. Não sobreviveu ninguém, a não ser uma série de lendas como a do tiro disparado dentro do avião e a de El Quemado.


E, é claro, muitas músicas imortais.

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