segunda-feira, 13 de janeiro de 2014


13 de janeiro de 2014 | N° 17672
L. F. VERISSIMO | L.F. VERISSIMO

O descaso

Esse horror na penitenciária do Maranhão é apenas um exemplo extremo do descaso com que são tratados os apenados no Brasil. Em geral, as prisões brasileiras são sucursais do inferno, e tem sido sempre assim, não importa quem governe. O que leva a pensar se não existe, por trás da insensibilidade hereditária, outra razão para o horror. Verbas para o sistema penitenciário estão tradicionalmente entre as últimas prioridades do país, o aumento da criminalidade lota prisões inadequadas, esquecidas pelo poder público, mas não é só isso.

Haveria outra lógica, inconsciente mas não menos culpada, justificando o descaso. Chamar as prisões de infernos, como é comum, nos dá uma pista do que seja essa outra lógica. De acordo com a cosmogonia cristã, o inferno é para onde vão os pecadores – para sempre. Pecadores não merecem perdão nem compaixão, seu sofrimento é contínuo e eterno.

Existiria a convicção, nunca reconhecida mas prevalente, de que bandido tem que sofrer mesmo, que deveria ter pensado no que o esperava no inferno da prisão antes de cometer seu pecado, e que a sociedade não lhe deve a consideração que daria a um animal.

Qualquer discussão sobre direitos humanos sempre empaca na questão dos limites de consideração que merece um criminoso. É comum acusarem os que se preocupam com os direitos humanos de qualquer humano, mesmo os criminosos, de ignorarem os direitos humanos das suas vítimas. O que é um falso silogismo.

Todo humano é humano antes de ser qualquer outra coisa, inclusive um monstro. Na questão de como castigar o criminoso é que seguidamente se sente, disfarçada ou não, a nostalgia da velha e boa, e acima de tudo simples, cosmogonia: o céu para os bons, o inferno e todas as suas agonias para os maus. Presos amontoados, matando-se uns aos outros – é pena, mas quem mandou serem maus?


Penitenciárias superlotadas e violentas não são vergonhas só brasileiras, claro. O problema de como alojar apenados, tratá-los como gente e se possível reabilitá-los é internacional. Mas as cenas da barbárie no Maranhão mostraram um grau de selvageria provocado pelos anos de indiferença, que espantou o mundo. Chegamos a isto. Somos os campeões do descaso e das suas consequências.

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