terça-feira, 26 de agosto de 2008



26 de agosto de 2008
N° 15707 - CLÁUDIO MORENO


O touro de Faláris

No tempo em que Faláris era o tirano de Agrigento, apresentou-se a ele um certo Perilau, excelente escultor mas desprezível ser humano, para lhe oferecer um grande touro de bronze, em tamanho natural.

Era tanta a perfeição dos detalhes que a estátua, para ser viva, faltava apenas mugir. Faláris recompensou generosamente Perilau, mas decidiu que aquela maravilha era um presente exagerado até mesmo para um rei: “É perfeita demais para ser minha; vou mandá-la para o santuário de Delfos, como oferenda ao próprio deus Apolo”.

Então Perilau, com um triunfo malévolo, revelou o sinistro segredo do touro: “Se gostas tanto dele por fora, o que dirás ao saber o que ele esconde por dentro?” – e abriu um alçapão na estátua, grande o bastante para a passagem de um homem.

“Para castigares alguém, basta prendê-lo aqui dentro e acender uma fogueira por baixo do ventre do animal. Verás que as narinas dele contêm flautas ocultas, que vão transformar os gritos de dor e os gemidos de agonia em agradáveis mugidos, iguais ao que se ouvem ao longe, na paz do campos”.

No entanto, o escultor tinha cometido o erro de atribuir ao tirano uma alma tão negra e maligna como a sua própria. Na verdade, Faláris tinha detestado a abominável invenção e resolveu fazer o autor provar de seu próprio remédio.

“Não tentes me enganar, Perilau. Entra aí e grita bem forte; se o que dizes é verdade, vamos ouvir, aqui fora, os sons que me prometeste”. Assim que Perilau entrou para o bojo da estátua, Faláris mandou que acendessem um fogo bem vivo, dizendo: “Essa é a digna recompensa por tua admirável invenção; canta, antes que todos, a música que tu mesmo compuseste”.

Ao que se conta, o engenho realmente funcionava, e o touro, aquecido até a brasa, começou a emitir longos mugidos, até que Faláris – para não macular, com aquela morte, uma oferenda dedicada a Apolo – mandou retirar Perilau lá de dentro, semimorto, e lançá-lo ao mar, do alto dos rochedos.

O touro, enviado para Delfos, acabou destruído em alguma guerra do passado, mas se tornou uma daquelas imagens que resistem a uma só interpretação. Seja como exemplo de feitiço que virou contra o feiticeiro; seja como uma ilustração do famoso “aqui se faz, aqui se paga”;

ou seja, no dizer de Kierkgaard, como uma metáfora do ofício do poeta, que é um homem que transforma os suspiros e os soluços de sua angústia em música para os ouvidos dos outros – ela sempre vai exercer um terrível fascínio,

talvez porque, como lamentava Plínio, o Velho, quantos artistas criativos lutaram para aprimorar a arte do trabalho em bronze, para que um deles viesse a fabricar, finalmente, um instrumento de tortura.

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